terça-feira, 26 de julho de 2016

DETALHES




Nas sombras da manhã, se espartilha o sono que lateja nas têmporas,
os vincos nos lençóis marcam a agitação dos pesadelos e da insónia prevalecente. É tão difícil suportar a ausência naquele espaço de intimidade. Perdem-se os cheiros, a indecisão cómica do levantar, que se vai adiando, o rolar dos corpos, as primeiras e últimas palavras antes da dinâmica do dia.
O tactear encontra a almofada, o vazio, O espreguiçar perdeu a graça do significado físico e pretexto de sorriso. Talvez sejam detalhes, mas na verdade, como a obra de arte, mesmo quando parece simples ao olhar comum, é nos detalhes, muitas vezes invisíveis de imediato, que ela se estrutura e adquire a sua importância. Aqueles pequenos detalhes, que têm grande  peso especifico na relação entre dois, em gestos e atitudes como fonte principal da nossa comunicação no nascer dos dias.
Não precisávamos de falar muito, éramos e só.
Resta agora o silêncio, os ruídos da madeira seca da cama quando me sento...e os sons amortecidos pela janela que trazem da rua a outra vida que não tu.

dc




quarta-feira, 20 de julho de 2016

Imagino




Teu corpo
Teu rodar
Meu fotografar.
Tua mão
Peso morto
Ao longo
do corpo
A tapar
Vénus
A delirar
As montanhas
Seios
Receios
Erectos

Concretos
Os beijos
Desejos
Secretos
Teus olhos
Fechados
Os meus abertos
A imagem fica
Erecto repenica
Arquivo mental
Temporal
Que significa
Viver
No presente
A gente sente
O que dizer?

dc


segunda-feira, 18 de julho de 2016

Um olhar sobre o mar





O boné e as sobrancelhas espessas, faziam pala sobre os olhos, fundos,  sombreando-os do sol, permitindo-lhe aquele olhar que o colocava longe da costa com capacidade de adivinhar tempestades, ou fainas grandiosas.
O tempo de espera e incerteza diária, tornou-se mais doloroso, tiraram-lhe o mar, a idade avançada e as mãos trôpegas impediam-no de voltar. Sofria agora mais, nesta angustiante espera, do que na labuta intensa e perigosa de trazer o peixe à cidade. Vivia a angústia da partida, dos barcos que partiam sem ele, como temia que o mar, imprevisível, levasse os barcos e seus homens.
Agarrou-se ao banco como se fora a proa de um barco, Ali, criou raízes, todos os dias, de olhos postos no horizonte, esperando o regresso dos companheiros de faina, Agora, só as gaivotas o entendiam visitando-o com regularidade, Traziam-lhe o cheiro do cardume e o viver da faina em alto mar. Assim, se iam resumindo os dias, até que o pensamento desconhecesse o corpo e o levasse a escorregar para o outro lado que desconhecia.


dc


sábado, 16 de julho de 2016

CONVERSAS cruzar de palavras




É bom cruzar palavras em conversas descomprometidas, com respostas sem perguntas, tudo feito ao correr da fala, no jeito de quem não teme daquilo que se fez, faz, ou é, no deixar ir de quem quer comunicar com o outro, sabendo que o outro se liberta com a partilha que recebe. É bom conversar, quando as palavras se atropelam na necessidade de dizer, como se elas fossem empurradas para boca para serem soltas na ponta da língua. As conversas que são como as cerejas que se encadeiam no seu mastigar e vão sendo sorvidas enriquecendo o “músculo” cerebral. Conversas boas, livres da agressividade, do domínio de pessoa ou de conteúdos, livres de preconceitos, ou até pouco importantes, ou supérfluas, sobretudo importa, que nos acrescentem algo à vida.
As conversas, surgem em qualquer lugar, a qualquer, nem sempre face a face, quanto a mim as melhores, pois trazem consigo a proximidade, o vestir, os cheiros, os olhos e seu dizer, as mãos que se expressam como acrescento às palavras. Não desprezando as outras, mais de longe, analógicas ou digitais, hipótese possível no quebrar das distâncias, e que servem para inventar, imaginar, apelar à memória. As conversas, são um reinventar, um encontro, são fio condutor entre as pessoas. O acto de comunicar com o outro só por si é manifestação de partilha, de sentir a presença do outro, de quanto ele é importante naquele despegar das palavras e pensamentos que se vão revelando.

dc

“ A conversa é um encontro de mentes com recordações e hábitos diferentes. Quando as mentes se encontram não se limitam a trocar factos: transformam-nos, reformulando-nos, tiram deles diferentes conclusões, adoptam novas linhas de pensamento. A conversa não se limita a baralhar de novo as cartas, cria novas cartas. É essa a parte que interessa”

Theodore Zeldin- Elogio da Conversa

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Não demores...







Reservo-me calada, esperando, como sempre faço, como sempre farei até ao dia que chegares. Dizem que não é preciso procurar, ele encontra-nos, por isso me limito a esperar, então só digo, Por favor não demores muito. Da família e de alguns amigos eu sei que existe, mas aquele outro de que tanto se fala...humm é mais difícil. Até há quem diga, que já está dentro de ti, Se assim fosse, há muito teria sentido as borboletas no estômago, o chão a tremer, e a felicidade escorrendo dos olhos.  Por isso vem, não brinques com coisas sérias, não é só por mim, é por nós, porque quem espera do outro lado, da mesma forma sofre a demora, não é justo desperdiçar o tempo, que tanta falta. Sabes, a vida já é difícil com contigo presente, imagina, sem ti, como ela se torna mais dura para nós e para os outros com quem temos de lidar. Aparece, continuo sentada à espera....

cc