Fiquei olhando os pedaços de tela, que se agitavam, com o vento, contra o céu azul. Pedaços de tela tecidos com o fio dos dias e rasgados pelo cansaço da intempérie. Agora, a outrora, função publicitária e de esconde esconde aos olhares dos passantes, resultavam como esculturas móveis, abstractas, que dançavam perante os meus olhos, mostrando de modo intermitente os espaços em volta. Como que suspensas, interagiam com a velha chaminé, que de vez em quando surgia, entre elas, assim como a torre da igreja próxima.
Os pensamentos ocorriam até aquele espaço, enrolados pelo vento. Pedaços de arqueologia industrial, avivavam memórias do passado distante, onde a vida dos operários, também eles desgastados pelo cansaço dos dias, funcionavam como pequenas peças da engrenagem da exploração empresarial. Tempo de fatos macacos remendados e de cores escuras, de aventais, de cabelos enrolados na cabeça das mulheres.
Bruscamente, o hoje acordava, com a buzina do carro que passava, trazendo-me à realidade da modernidade que aqueles pedaços escondiam.
Reencontrei-me, começando a roubar aqueles pedaços para dentro da minha câmara digital, tentando captar a sua fala.
dc
domingo, 31 de maio de 2015
Um lugar com história
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Foto. Diamantino Carvalho
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Sons que Não Chegam
Dos sons que não chegam,
ficam as palavras escritas,
deixam à imaginação todas as coisas
que podiam ser ditas,
sem carregar o sobrolho
nem trejeito nos lábios
ou diferente entoação,
não são mais do que coisas escritas
não ouvidas
sujeitas a interpretação.
Escrevo-te assim muitas vezes
deixando-te a pensar livremente
na sua sonoridade e conteúdo
mesmo que na verdade
não seja a minha realidade
que satisfaz a tua mente
nem aquilo que lês te diz tudo.
dc
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Foto. Diamantino Carvalho
terça-feira, 26 de maio de 2015
No tecido dos dias
Tacteando no tecido dos dias, procuro reencontra-te nessa alvura dos sonhos, em que amantes vivemos. E fico-me, com as mãos bailando no vácuo, roçando esporadicamente meus lábios, no perfume que de ti, ainda sinto.
Levo-te comigo para o correr da noite, com a imagem que me deixaste e, no silêncio da noite, reencontro-te, tão próxima, como se fosses pele do meu corpo...
dc
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Foto. internet
domingo, 24 de maio de 2015
Ardilosamente o Tempo Passa
Ardilosamente o tempo passa
consumindo, dia após dia,
o nosso pavio.
Pouco a pouco se vai a energia,
Ficamos com a paciência
E engolimos a arrelia.
Maduramos, na experiência,
Sentimos o frio da ausência,
E vamo-nos adaptando
À morte lenta do encanto.
Tornamo-nos mais práticos
E enigmáticos,
Fazemos pose de indiferença
Avaliando atentamente.
Os riscos são mais calculados,
Pensamos mais com a mente,
Para não sermos amordaçados
Por um amor indigente.
Mas se há coisa na experiência,
Que nos ajuda a caminhar,
É não fazer dela ciência
E aproveitar o tempo de amar.
dc
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Foto: Diamantino Carvalho
quinta-feira, 21 de maio de 2015
Nas MARGENS DO TEU CORPO
navego nas margens redondas
da superfície do teu corpo
com minhas naus de cinco velas
e minha boca no caminho delas.
sinto a brisa dos teus suspiros
trazida pelo marulhar das ondas
nesse teu mar salgado
deliciosamente agitado.
e assim
sem principio nem fim
vou cada vez mais fundo
por entre a bruma do teu desejo
até que sinta teu corpo saciado
no calor do teu beijo.
dc
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foto/internet: David Kelly
sexta-feira, 15 de maio de 2015
Tantas vezes a paixão...
....... se arrasta pela sola dos pés.
Tantas vezes se perde o chão, nessa confusão, que se chama paixão.
Pinta-se tudo de vermelho, desenham-se corações com nomes atravessados e frases cheias de promessas. Uma ausência de minutos transforma-se em angústia, em espera agitada, Um olhar atravessado, com outro cruzado, trazem a insegurança e com ela os ciúmes. Ouvem-se músicas com vozes que arrepiam a pele, deixam o coração apertado, lembram o beijo nos lábios pousado, o corpo abraçado e também as dores da alma, os amores perdidos, as traições...
Quando da paixão se diz, ser razão de vida para realizar um projecto, corre-se o risco de transformar a vida num lugar sem saída, ou no deserto, com morte garantida....
dc
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FOTO:Imagem Internet
quarta-feira, 13 de maio de 2015
Estava tão enamorado....
...... que para ela escreveu:
"Tu és a agulha, que encontrei no palheiro das minhas escolhas, Todos os dias coses os tecidos da minha alma, alinhavas a minha esperança e me picas as pontas do dedos para me lembrares que estou vivo e sou parte de ti."
dc
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sábado, 9 de maio de 2015
Começar de novo ....
A vida marca teu rosto com as sombras inesperadas da espera.
Partiu, sem palavras, como uma anedota, foi comprar o tabaco da liberdade (?). Deixou um vazio, dentro, difícil de preencher, agora terá de se reposicionar com o que à volta vai acontecendo, subir e descer degraus, escolher referências, refazer ou criar novos lugares, novos amigos, apagar as marcas que lhe foram vincando o rosto ao longo dos tempos.
Nada há porque esperar, nem tem razão de ser, paulatinamente, se vai escondendo na aparência de que tudo está igual, com apatia, deixa-se abstrair do que foi, e do que ficou. Olha sem ver, caminha sem pensar, mastiga no ritual da mesa sem pensar nos alimentos. Perda de tempo. Melhor, como tudo na vida, é retemperar forças aproveitando para fazer o que foi posto de lado, avançar projectos e começar de novo. Como disse o poeta:
“O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova.” Miguel Torga
dc
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segunda-feira, 4 de maio de 2015
composição MÚSICA em CHUVA MAIOR
Ouvir música, enquanto a chuva, lá fora, escorre dos céus e bate nos vidros com o seu matraquear monótono, impede que a inutilidade se aposse de nós, enriquecendo o espírito. Deixo-me ir ao encontro, das notas que desconheço, da melodia que as suporta e de pensamentos desordenados que vão surgindo, num contínuo, sem princípio nem fim, enrolados na brisa das horas que nos vai bafejando o tempo....
- o domingo decorre, sem escutar missa. Só a regueifa amanteigada e o café com leite da manhã, fazem a diferença. Não haverá o cheiro do assado domingueiro, nem, após o almoço, o “passeio dos tristes", num lugar à beira mar, ou dentro das paredes do centro comercial da moda, rota habitual das gentes -
...a música enleia, a voz, lança no ar um texto numa língua que não entendo, bebo-lhe a emoção e limpidez das suas notas. A música, que serve de mote para o momento, repetir-se-á vezes sem conta, como se a intenção fosse gravá-la no pavilhão auricular e se repercutisse no cérebro. Fixa-se como tonalidade de fundo dos pensamentos, lenta, tranquila, inebriante, relaxando e tirando o peso ao corpo fazendo-me navegar imensidão imponderável do universo. Se assim não fosse, talvez a loucura me esperasse à porta de um qualquer minuto da existência, fazendo-me desperdício declinável.
dc
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domingo, 3 de maio de 2015
Inventaram um Dia da Mãe...
Inventaram um Dia da Mãe, como se ela não fosse, mais do que um dia. Quase se torna ofensivo atribuir-lhe um dia, como se ela fosse uma pessoa a quem se deve o favor da maternidade, alguém que neste dia se esquece como possível má mãe, ou como o mau filho que não lhe atribui grandeza, e lhe dá a prenda artificiosa da hipocrisia.
Há mães que abandonam, ou maltratam os filhos, há filhos que maltratam, abandonam as mães nos lares, ou lugares parecidos e vão às suas vidinhas, e neste Dia da Mãe, levam um ramo de flores, atiram-nas para uma jarra e de seguida saem marcando quando virão para o jantar. Talvez razão encontrada, muitas vezes, nas maleitas com que crescemos e das circunstâncias em que vivemos.
Não gosto do Dia da Mãe, como outros que assim funcionam como comercialização, na mira do lucro capitalista, explorando os sentimentos. Aproveito, por isso mesmo, este dia - e sempre - para desancar nesse oportunismo e defender que uma vivência tão importante dos seres vivos, não pode ser vulgarizada, desta forma. Perceber ser mãe e ser filho, é parte fundamental da educação, de uma sociedade que privilegia o ser humano acima da materialidade. Somos sim, durante trezentos e sessenta e cinco dias, as mães e os filhos que somos, e cada um deve saber o papel que nos cabe nessa relação e vivência e valorizá-lo.
Lembro-me de dois irmãos que começaram a trabalhar bastante novos, que quando lhes davam uma gorjeta por algum serviço prestado, iam de imediato a uma pastelaria comprar o “pastel chila” que a mãe mais gostava e que praticamente só nessas alturas degustava.
Eram dois prazeres num só acto. O prazer da surpresa e a alegria da mãe com os olhos marejados de lágrimas. Aquele dia não tinha data marcada, mas acontecia com a periodicidade que a vida permitia.
dc
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Foto. Diamantino Carvalho
sexta-feira, 1 de maio de 2015
FLOR DE MAIO
Quando tudo parece passado e o presente nos desenha negruras, um sorriso chega, da boca perfumada e tudo se realinha de novo em explosões de sentimentos e corpos que se misturam sem saber princípio nem fim.
Assim, pelo menos, agarramo-nos aos pequenos trapos, que sobejam da vestimenta, que nos veste a alma e ficamos com eles colados na pele, com a esperança que tapem definitivamente os silêncios, os vazios, e que na pobreza tanta onde resistimos, se torne mais fácil nos cuidarmos.
Perdidos que estamos, é suficiente ter, mesmo sem saber o dia, a hora e duração dessa posse. Já não cuidamos de saber, mais do que a glorificação do corpo e desejo quase perverso de nos possuirmos. O intelecto, na mistura, estoura a espontaneidade da demanda, por isso inebriamos os sentidos e deixamo-nos percorrer.
dc
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