Há memórias que lentamente se
vão esvaindo, ao longo da vida. Vão-se transformando em resumos cada vez mais
curtos e longínquos. Essas memórias, construidas, nas mais diversas
circunstâncias da vida, feitas de momentos alegria e felicidade, desenhados e
escritos na mente, com imagens, desejos e vontades. Todas elas, trazem algo de
precioso, que em algum momento tentamos reviver. Uma paisagem, uma flor, uma
brisa, um lugar à beira-mar, um passeio pela mata, um melro negro de bico
amarelo, um peixe vermelho, a revolução com cravos, a luta contra os diabos, o
amor na revolução, os olhos comunicando, um beijo com paixão, um abraço, as
falas havidas, a criança que nasce, o primeiro choro; os cheiros, ah… esses tão
difíceis de cativar na memória. E por fim, a voz, por de mais escutada, que se
sobressai entre todos os ruídos e nos afasta da cegueira do esquecimento.
Quando o som da sua voz chegou, não ouvi, escutei, com todo o meu corpo, e todas
as memórias regressaram, e recolocaram-me no mesmo sentir. Não me lembro bem do
que conversamos, estava somente atento às memórias que se iam redefinindo,
trazidas naquele momento à superfície. Findo o telefonema, olhei para aquele objecto tecnológico, e pensei, afinal, há memórias que se podem reciclar.
Tiramos-lhe, os agravos e desacertos, e tornam-se mais leves e agradáveis, até se
lhes pode acrescentar mais esta, que agora se escreve, ao arquivo central, das
emoções.
dc