quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Di'vagar'

Escrevo-te que és agora somente saudade, para me aconchegar do amor de ti, que ainda mora em mim. Não é minha preocupação a fluidez da escrita, nem o seu rigor de pontuação ou o acerto das palavras. É antes uma performance, um acto de escrever obedecendo ao pensamento inconsciente, expresso no gesto da mão, que vagueia pela superfície do papel formando palavras. Palavras estas, não de esperança, ou de espera, antes hieróglifos desenhando sensibilidades, trazidas da memória para o hoje, entretendo os silêncios. A distância instalada no tempo e o seu lugar de acontecimento, há muito deveriam ter calado, bem fundo, esse sentimento de perda e ausência. Contrariando vontades, acontece uma flor, um brilho do sol, um simples felino cruzando no caminho, um corpo que se assemelha, ou até, uma paisagem vivida, a fazer questão de trazer tudo ao presente, como uma espécie de “déjá vu”. Escrevo-te, não te escrevendo, somente me devotando a fazer das memórias um acto de catarse, que se solta pela folha de papel, largando tinta, diminuindo o espaço branco, com formas grotescas que se querem letras e palavras, sem que cheguem a ser frases. É algo que nunca lerás, como muitos outros escritos perdidos, ou até, logo rasgados sem que a razão o explique. Importante era o seu significado como objecto, como um limpador de memória, que as vai reduzindo a um simples ponto na imensidão da matéria pensante.

 

dc

 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Dança em desenhos de amor


 

Movem-se nas areias movediças dos corpos, fogem chegando, enovelam-se, a superfície da pele é a referência de cada instante que se segue. Os limites do corpo, estão nas polpas dos dedos das mãos e dos seus pés. Chão, é o suporte que os agarra naquele seu deslizar de penas levadas pela brisa. Languescentes, os corpos obedecem às notas, a configuração vai fluindo, tudo em círculos quase perfeitos e movimentos voláteis. A sensualidade é dança em desenhos de amor, formato de apaixonados, movimentos em frases feitas de mãos, enquanto os corpos se movem como respiram. Sente-se uma tensão, entre fuga e chegada, tristeza e alegria, num crescente de emoções que seguem o seu ritmo, a entrega é total até surgir ofegante, o êxtase. O mundo reduz-se, volatiliza-se, só existe a segurança de quem abraça. A osmose é perfeita, cai o corpo sem tocar o chão, a bolha de ar etérea, é feita da energia dos braços que o envolvem. Assim vão, naquele ritmo de loucura, onde o amor à dança, faz acreditar que há algo mais além que vale a pena. A serenidade regressa e o sorriso aflora como um suspiro de prazer.

dc

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Amar (n)a natureza


O outono, caminhava a passos largos ao nosso encontro, recebia-nos com a sua chuva de folhas, que caíam sobre a terra húmida, coberta de ervas e musgo. Aquela mesa de madeira, com os seus bancos corridos, sabiamente colocada no espaço, era um convite, para permanecer e observar toda aquela riqueza visual, aguardando a tua chegada. Tinha tudo o necessário para nos preenchermos, com a sua diversidade de aromas, formas, cores, momentos de luz e sombra, duma floresta inexplorada e os seus viventes. Era o local ideal para um piquenique amoroso, condimentado de natureza. Aguardava-te ansiosamente, para partilhar o prazer de, usufruir tudo, contigo nos meus braços; sentir por inteiro o teu corpo adoçando as formas, para se encaixar no meu, os teus cabelos roçando-me os lábios e trazendo o teu perfume, perturbando-me o discernimento dos sentidos. Depois… depois deixaríamos que as nossas mãos irrequietas, se tornassem vivas, para ir mais longe, destruindo barreiras, primando o amor nos seus direitos e libertar as bocas seladas de beijos, para irem ao encontro de outros lugares, sabores e saberes. Duas naturezas irmãs se cumpririam, trazendo-lhes a calma à mente e ao corpo, enquanto a origem da vida se instalaria dentro de si.

 

dc