Passava os dedos sobre a
superfície das coxas generosas e suaves que delimitavam o começo do ventre e o
abdómen que sem ser magro era liso e sem saliências inconvenientes dos
descuidos estéticos, as marcas naturais da idade. Sua pernas eram duas colunas
poderosas que suportavam o resto do seu corpo harmonizando todo o conjunto que
fazia a sua bela figura de mulher. Sabia que ela não era só um corpo, por isso
o encantavam os seus raciocínios lógicos, a sua cultura, a personalidade forte e
a sua ternura, quando em conversa. Quantas vezes ele deitado de bruços sobre a
cama, enquanto falava com voz baixa e pouco clara pelo sono e por não querer
dizer demais, ela o escutava com um braço atravessado sobre as suas costas,
enquanto da sua boca, saíam uns ligeiros murmúrios, intercalados por beijos roçados
sobre a sua pele do ombro. Quase sempre resultava no descaminho voraz que
interrompia a pacatez das falas.
Ela era a deliciosa surpresa, que surgira para interromper a sua solidão e
vazio amoroso dos últimos anos da sua vida, enriquecendo-o com o seu amor
fresco, sem a identificação dos anos pelo bilhete de identidade. Ele não era
possuidor de grandes rendimentos, ela vivia do seu salário pouco generoso. A
diferença de idades era algo acentuada, mas nada que os preocupasse, sabiam que
o presente que viviam era doce e suficientemente forte, para que se pudesse
dizer um dia com o destino traçado, “valeu a pena”.
Ele tantas vezes percorreu com um só dedo o contorno do seu corpo como se
fizesse um desenho a lápis, que iniciava nos dedos de um dos pés e se
prolongava por todo o seu corpo até ao outro lado, terminando da mesma forma,
ao mesmo tempo que a sua boca acompanhava todo o seu percurso. Era uma espécie de
tactear cego, como se quisesse fixar dentro de si a sua morfologia corporal.
Ela, enquanto isso, ia falando em voz baixa, meio rouca que o enlouquecia.
Tinha sempre estórias para contar, factos para relatar, desejos para realizar e
ternura sem fim no seu expressar. Não havia momento escolhido para se descobrirem,
qualquer lugar, ou momento, construía um beijo, um desejo e uma osmose de
corpos e peles que se confundiam adentrado-se, com toda a alegria de um sonho que
a cada etapa se realizava. Assim foi todo aquele Verão, como no Inverno que se
seguiu e todas as estações, surgidas no correr dos anos.
Hoje estava novamente só.
Contrariando a ordem natural das coisas, a morte antecipara a sua partida. No
entanto, não era uma solidão incómoda, mas procurada. Sentia a sua ausência de
facto e por vezes de forma dolorosa. Eles tinham-se dado tanto, um para o
outro, um com o outro, que não faltavam memórias que preenchessem as lacunas,
além dos afazeres diários sociais e de sobrevivência e as pausas para ler, ou
escrever. No aproximar da noite, em especial, sempre se lembrava, de que mais
vale amar por algum tempo alguém, mesmo que o sofrimento possa acontecer, do
que nunca ter amado, com o mesmo prazer e alegria que com ela viveu. Tinham-lhe
dito que os amores de Verão morrem com a Primavera, o seu, dela, tinha
percorrido muitas estações do ano sem esmorecer até à sua partida. O vento
leste traiu-me, trouxe o calor ao corpo e arrastou-me para esta saudade e
desassossego para o qual as palavras não chegam.
dc