Eu tenho um neto, de quem falo carinhosamente dum modo que sempre detestei. Chamo-lhe “o meu netinho”, não sei o que me dá, fico preso no brilho do seu olhar, na sua fragilidade e absorvido pelo quanto me dá.
Vivo cada momento da sua presença como único. O seu sorriso enche-me de alegria, e cada vez que pronuncia “Vô” sinto que faço parte do seu mundo.
As nossas saídas, têm sempre um pouco de história. Entrar no carro, sentá-lo na cadeirinha e falar com ele olhando o seu sorriso de satisfação, consolam-me a alma. As canções da “Joana come a papa”, “O Areias é um camelo” e muitas outras são pano de fundo para nossa viagem ao Centro Comercial, o “Pi” , como ele lhe chama, abreviando a palavra Shopping, que não sabe pronunciar. É o seu local de eleição, do qual sente falta, quando por alguma razão, cortando a rotina, o levo a outros espaços onde estará mais em contacto com natureza, como o Parque da Cidade. Ele tem a sua razão. De Inverno quando começamos as nossas saídas matinais, o shopping era o local mais quente confortável para estarmos os dois, em especial ele, porque não há muitos espaços agradáveis ao ar livre, com essas condições. Ali, tem os escorregas, as casas de brincar do Toys ur Us, e outros sítios onde se pode entreter.
É um prazer apreciá-lo, quando saímos do carro no estacionamento, e vê-lo todo sorridente já no meu colo, esperando que lhe dê a chave, para que possa ligar o alarme. Depois, quando junto ao inicio das escadas rolantes, me pede para o colocar no chão, para as subir sozinho como um pequeno homenzinho, sentindo o seu deslizar e gozando no final o prazer do ligeiro pulo da saída para o espaço firme.
Temos o nosso ritual de cumplicidade, frequentando sempre o mesmo lugar no madrugar do espaço comercial, ainda sem o movimento pesado das horas de agitação, onde dividimos entre nós o pequeno almoço. Ao chegarmos ao café, as meninas já o conhecem, e então ele pede-me que o pegue ao colo para que as possa ver com o seu ar observador e receber os seus sorrisos de bom dia.
A nossa meia de leite acompanhada com os nossos pãezinhos, que parcimoniosamente vou partindo em pequenos bocados e que lhe dou à boca, vão-se misturando com colheres de leite “sujo” de café, que ele vai bebendo deliciado. Sempre que pega na chávena e a esvazia sem me deixar qualquer gota visível, o seu riso de gozo, deixa-me sem jeito. Concluído o pequeno almoço é um apressar, para ir para a zona infantil, para se divertir nos escorregas, nas casas de brincar e nos carrinhos, acompanhado por companheiros ocasionais, que como ele ali se encontram.
Nestas nossas saídas, finalizamos com a visita à FNAC , local obrigatório de passagem, para ter contacto com os livros, escaparate dos posters, CDs e brinquedos, criando-lhe assim o hábito salutar de fazer dos produtos da cultura, companheiros de percurso para o futuro. Aqui, é espectacular o modo como ele retira os CDs para que eu os ouça, e como depois os arruma cuidadosamente nas prateleiras, com rigor e sem se enganar. Tudo ele aprecia, como se de um adulto se tratasse, o seu ar de entendido deixa-me enternecido.
O meu neto deixa-me muitas vezes a meditar e a interrogar sobre a vida dos adultos. Quantas vezes penso, que amor é este tão livre, tão doce que nos faz ficar felizes. Porque razão, os outros amores da nossa vida, são tão complicados?
EU tenho um neto. Ele faz-me sorrir, sentir amor, saborear a vida.