Conversador e ouvidor, agora, só tinha o silêncio, o seu silêncio. O ruído existe nos outros e no que o rodeia, mas está fora de dele. Não assimila ruídos, nem imagina ruídos. Os seus tímpanos estão cobertos de cera da indiferença à escuta. Sente-se um surdo de nascença, que lê nos lábios, vê gestos, talheres que se cruzam, pratos que se chocam, copos que se tocam, bocas que se movimentam, beijos de diferentes intensidades, mãos que se agitam, sorrisos e pretensas gargalhadas. Sente uma ausência tamanha, como se estivesse suspenso sem gravidade, estava, tal qual, no cinema mudo de outrora. É uma total ausência de estar, uma suspensão de vida, é um silêncio de necessidade, que ninguém interrompe, que o faz fechar a boca e não pronunciar qualquer ruído. É bem possível, que o motivo esteja errado, ou seja, o receio de falar sem acerto, que o faz isolar, sem dizer aos outros que não está comunicável. Tem de fazer uma pausa para se reencontrar, descobrir como falar correto, sem magoar, ofender, ou alimentar debate inútil do saber, ou de ter, a pretensa razão. Precisa do estímulo certo para um dia voltar aos ruídos, às palavras e à escuta, que por agora enfadonha e um pouco desestimulante, lhe tirou a curiosidade, a paciência e o prazer da conversa.
dc