quarta-feira, 16 de outubro de 2024

História Perversa

Sinto-me agredido, por essa vozearia, na comunicação pública. Sei, que trazem as palavras, constroem frases, cruas, duras, ensanguentadas que exacerbam as emoções. A mente se desgoverna sem freio, vai em direcção a um lugar indescritível, talvez pelo terror do que se lhe apresenta, talvez pelo medo de se conscientizar, que afinal é realidade, não um pensamento, ideia ou sonho. Uma rede estruturada, de comandos subliminares, transmitindo, de fora para dentro, tenta influir, no que a mente elabora, para que ela por si só, vá ao encontro do caminho que lhe destinam. Sinto que ela tenta tocar o meu íntimo, e então me apetece perder a humanidade. Cortar definitivamente com essas gentes, que se me apresentam tão miseráveis, que vulgarizam a vida, tomam misseis ao pequeno-almoço, drones como aperitivos, arrotos ao almoço e no desenrolar da janta, bombas neutrónicas como sobremesa, nesse espaço de descomando da humanidade. No meio disso tudo, corpos inocentes caem na terra, tal qual adubo, satisfazendo estômagos milionários insaciáveis.
Quanta vergonha, conseguirei aguentar, para que se não solte o verbo, ou a fúria embraveça o gesto?


dc


sábado, 12 de outubro de 2024

Lágrimas

As lágrimas nem sempre são de dor, raro são de alegria, reflectem diferentes formas do nosso humano reagir. As mais das vezes, correm pelo rosto sem lhe encontrar sentido para que aconteçam, brotam como um fio de água, na superfície dos sonhos, e se transformam num rio caudaloso, que vai deslizando e construindo as suas próprias margens. As lágrimas são o aglutinar do cimento com que nos tornamos humanos, são retrato da personalidade de quem as produz, são libertação do mundo interior, que se solta e escreve uma linguagem inesperada que prescinde das palavras.

 

dc


domingo, 29 de setembro de 2024

O primeiro beijo

 

Tenho, a marca de água, na memória, daquele primeiro beijo, que me fez sentir as pernas incertas e quebrar a minha inocência. Inocência, porque ainda nem conhecia o que era beijar, muito menos, um beijo sensual de línguas que se cruzam. Somente, lábios sobre lábios, um beijo tímido, no medo ser rejeitado, antes de se realizar. A sua boca tinha um desenho harmonioso. Lábios carnudos, rosados, húmidos, suaves ao toque, e um sabor abstracto não explicável, mas apetecível, que me atraía, e me fazia repetir beijando, como se a repetição, ousasse, descobrir a magia, daquele momento, ou o sentimento daquele gesto. As minhas mãos seguravam o seu rosto, enquanto observava os seus olhos, no espaço entre cada beijo. Olhos, claros, quase cinza, que adquiriam um brilho tão intenso, que me enredavam, e punham o coração em sobressalto. Poderia eu, explicar todas essas reações, por ser o primeiro beijo, com o enlevo da experiência e da inocência, mas isso, seria desmerecer toda a magia do que acontecera.

 

dc


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Afinal só quero ser

Eles não sabiam, também não haveria como saber, que dentro, sentia um vazio enorme, que a afastava das pessoas e marcava o rosto, fechando-o, numa espécie de indiferença, que não procurava. Tantas vezes tentou abrir-se num sorriso, ou expressar-se em falas alegres, ou pelo menos, assertivas, sem que isso lhe fosse possível. Os cantos da boca apontados para baixo, marcavam a sua expressão e transformavam a fisionomia do seu rosto. A sua aparência exterior, estava aquém daquele vazio que a preenchia. Não sabia como isso acontecera, nem sempre fora assim. Em tempos fora disputada por amigos e colegas, como companhia divertida, seja na mesa do restaurante, no café, em festas, férias, ou de tertúlias várias, em conversa e debate, fosse de política, ou outras actividades sociais e culturais. O que morrera em si, o que fora que adentrado no seu âmago, tirara-lhe a razão, até de comunicar. Não, não era um “retrato de boa rapariga”, sossegada, que procurava nos silêncios que a dominavam, como uma forma de estar, no meio do outros, isso ela sabia que não. Algo mais profundo aterrador, a submergia, num contínuo de instabilidade e insegurança. Sem a percepção, da razão do surgir das lágrimas, de forma extemporânea, dando lugar a um choro convulso arrasando todo o equilibrio interior. Sentia que cada vez era mais difícil. Quanto mais se fechava, mais longe ficava, de tudo que à sua volta existia, menos vontade de participar no que a envolvia.

Era sua preferência, fechar-se no seu mundo. Sentava-se numa esplanada, junto ao mar, cuja força e imensidão serviam de calmante. Assim, se ia distraindo, ouvindo as várias conversas que chegavam coadas pela brisa, ou observando as pessoas que circulavam à sua frente, lenta ou apressadamente e, em especial, os rostos que reflectiam muito do que as movia. Ouvindo e vendo tudo, sem filtro, nem julgamento, enquanto as gaivotas com os seus voos acrobáticos, sobre as águas a distraiam de tal modo que a convocavam para os seus voos aleatórios, em que as emoções se esmoreciam levando-a à sonolência. Em algumas, dessas ocasiões, tentava descobrir, donde tinha surgido tudo o que agora acontecia consigo, mas era tarefa difícil e enfadonha, recuar no tempo, vivendo e remoendo o passado, para saber deste presente. Era tarefa inglória, há coisas que acontecem fruto de circunstâncias, das quais é difícil discernir, qual a que despoletou tudo o que a abalava. Seria a mesma questão de procurar saber, o que surgiu primeiro, se o ovo se a galinha. Certo. Certo, é que cada dia que passava, se assenhorava de si a vontade, de se livrar de tudo o que a manietava, ser dona de si, e menos do mundo e das regras que lhe queriam impor de fora. Liberdade de querer ser quem era, com defeitos, insucessos, acertos e desacertos, virtudes ou não. Afinal, só quero ser.

dc


domingo, 22 de setembro de 2024

Num lugar chamado terra

Como gotas de orvalho que se desprendem das folhas, assim passa o tempo e os dias, na mesma intermitência. Cada vez mais devagar, sem enumerá-los, ou classificar, apenas deslizam de um para o outro numa rotina detalhada.
Passeia os olhos pela paisagem. Ao longe, o rio corre, entre as margens, com árvores de porte alongando apontando os céus. Ali está, sentado num pequeno banco, à porta da casa rústica, construida com grossas paredes de pedra, com um amplo alpendre construido em madeira.

A natureza é tudo o que rodeia aquele lugar. Esquilos atrevidos, descem e sobem as árvores, ou se aproximam com curiosidade. A passarada alegre, com o seu chilrear, acompanha o marulhar do rio, num ruído sinfónico. Longe está o pesadelo dos carros, dos sons agitados das buzinas das fábricas, dos automóveis, da passagem dos aviões pelo céu, do zunzum diário das multidões movem, do confronto de vivências, da circulação variada de todo um mundo que se chama sociedade. A natureza, o ar puro, os cheiros ricos e variados funcionam como limpeza para a sua mente. Traziam-lhe a calma, a serenidade e disponibilidade para deixar o cérebro livre, para que a intuição lhe orientasse caminhos. Assustaram-no quando dissera que ia para o outro lugar, mais perto do campo e da serra, viver de outro modo. Viver sim, ao sabor da sua vontade. Plantar, algo que pudesse comer, conviver com os animais, beber água que corria, cristalina, entre as pedras. Ler, ouvir música, escrever, pintar. Gritar todos os dias a plenos pulmões sem medo do incómodo de assim se expressar perante a riqueza da sua liberdade. Agora o tempo não contava como processo de aceleração. Somente dias e noites e as mudanças das quatro estações, que lhe serviam para dizer, que tudo continua a evoluir para o fim, neste lugar chamado terra.

 

dc

 

 


terça-feira, 10 de setembro de 2024

A linha que alinha

 

Talvez linha
Talvez ideias em linha

Se alinham ideias
Com as formas da linha
Quando juntas as linhas
Na expressão do corpo

As linhas conformam
Contornam
Sem desconforto
Linha do rosto
Linha do seio
Linha da coxa, da anca
Da vulva no meio
A linha espanta

Dó ré mi sobre a linha
É a linha da pauta
Na música que se canta
Os pontos fazem a linha
A linha justifica os pontos
Esclarecendo a linha
A dimensão dos pontos

É a estória da linha

No mundo dos contos

 

dc
 




quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Sábado ao ritmo de sobrevivência

 


A guitarra eléctrica com o seu som estridente, ressoava no espaço, a bateria não deixava que ela se isolasse num único som. As baquetas rasgando a pele dos tambores; o baixo, tremendo de excitação não se fazia rogado; as congas percutiam debaixo de mãos agitadas, marcando um ritmo latino; no órgão as teclas, mexiam-se como movidas pela ondulação dos dedos, finos escorreitos sobre a sua superfície. Todos os executantes, se tornavam, temerários e avançavam a todo o vapor soltando notas de vida perante estridência que Santana fazia explodir na sua guitarra. Muita gente, enchia o salão, movendo-se em ondas rítmicas, seguindo a vibração positiva que enchia o ar. No seio de todo aquele agitar, um homem e uma mulher, tipicamente latinos, se isso é possível dizer, dançavam, faces afogueadas, cruzavam as coxas, ou rodopiavam em contorções, de corpos colados, ou afastados, movimentos incríveis de sensualidade, acompanhados dos pés voando sobre o soalho polido. Os corpos suados, rostos transformados, olhares esbraseados. Todos aqueles que dançavam, naquele salão, estavam como que possuídos num terreiro de candomblé. Alguns outros de olhos presos no pare que se destacava, abanando a cabeça, mexendo o corpo, envolvendo-se no ritmo. Sábado de descanso. Sábado para derreter a pressão e o stresse da semana, deixando o corpo sobreviver ao ritmo da vida.

 

dc


terça-feira, 27 de agosto de 2024

Só na rua, voltaremos a ser o que devemos ser

 

O confronto, entre nós e nós, é difícil de superar, comparado com o, nós e os outros. É um diálogo surdo, onde a troca de palavras não têm eco, em que os juízos e opiniões ficam soterrados, em dúvidas e silêncio, enquanto traz há superfície, um rosto de expressão fechada, um corpo morfologicamente alquebrado e um caminhar, em que parecemos vaguear. Somos consumidos por dentro, definhando a cada passo, como se uma doença estranha, nos caísse no colo, quando da visita ao médico. Nascemos com essa condição de sermos humanos, sensíveis, viventes, numa sociedade que não escolhemos, num lugar, onde não gostamos de habitar e por vezes, num país de que nos envergonhamos, pelo papel público que representam as figuras que o dirigem. Não sendo neutros, aos impactos, das falsas, ou verdadeiras notícias, com as quais somos bombardeados, para sermos massa macia, moldável aos poderes fácticos, perante a realidade dos factos sociais que se nos deparam, acumulamos impaciência, nervos tensos, alimentamos a contradição entre acção e inacção. Alguns de nós, queixam-se, e esperançosamente, até se medicam, tentando amortecer o impacto de serem cidadãos de um mundo, onde a morte e a vida, são factores secundários, ou danos colaterais, das ambições de alguns. Se não sairmos à rua, gritando, a dor que nos toma, se nos calarmos perante a injustiça, a paciência esgota-se. Só na rua, voltaremos a ser o que devemos ser, humanos com voz activa. Assim sendo, o que nos espera, é a submissão, um colete de forças, ou um autismo do qual não mais sairemos.

 

dc


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Noite de Lua Cheia


Apontávamos com os dedos, fazendo desenhos abstractos, como se pudéssemos atravessar o espaço e tocar nas estrelas, estas que pareciam depositadas como pontinhos, no céu escuro, tal como poeiras sobre os móveis, na casa que deixáramos abandonada, para sermos observadores do Universo. Como não somos estudiosos dos astros, mas curiosos daquele infinito que na noite se torna tão visível, é-nos permitido divagar sobre a natureza das coisas, ou das coisas da natureza. De preferência, namorando, em noites de lua cheia, com gatos no telhado.

 

dc


domingo, 18 de agosto de 2024

Pensar bebendo chá

 

Eles, envelhecem-nos com as suas falas, como se a sua modernidade, e a tecnologia, lhes desse o direito a todas as coisas, e nós, nos reduzíssemos a peões das suas necessidades. Confundem anos de existência, com a juventude do nosso ser, e a experiência alcançada. Na realidade, nem sabem, quão longe estão da verdade. Por culpa própria, sempre os criamos, afastando-os das dores, e dificuldades que nos trouxeram até aqui. Nós temos o privilégio de viver memórias plenas de cheiros, de olhares que falam e tudo colhem do que se nos permite observar. Vivemos sensibilizados pelo que tocamos, agarramos os significados das palavras da sua suavidade e dureza para nos expressarmos. Abstraímo-nos de procurar fixar o presente em caixas, queremos sentir e viver, todas as recordações, más, ou boas, que nos ajudaram no caminho. Não queremos exibir, a dureza das nossas dificuldades para sensibilizar os outros, queremos que sintam a riqueza do nosso caminho e história, se possível, ajudarmos a melhor observarem e viverem o seu, que agora começam.

dc

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Amar-te sem que sejas meu dono

 

Escondo-me, mesmo que vermelho seja o tecido, para evitar a ofensa com que me possam rotular e não pela timidez, em enfrentar o teu olhar, possuído pelo fogo do amor que neles se revela. O medo não existe em mim, quando és aquele que eu quero saber-me amada. Fui somente apanhada de surpresa, pela tua presença no meu espaço de intimidade, manejando esse objecto, que usas como parte de ti, e que me fixou nas suas entranhas, sem que permissão me fosse solicitada. Amar-te, sem que sejas meu dono, é o mais que preciso, para que me revele na totalidade do que sou.

dc


quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Cusquice de verão

 

Enquanto o galão e a torrada não chegavam, ele ia observando o ambiente da esplanada. As conversas eram como os tremoços, amarelas e abundantes. Os temas variavam, entre a cusquice, de quem chegava para iniciar férias e os residentes queixando-se das maleitas da viagem, do verão, do clima com as suas variantes, entre neblinas e sol tórrido, de temperaturas irregulares, do vento forte, pouco comum, para a época. A conversa numa das mesas estava agitada. Duas mulheres conversam, ou melhor, uma fala, com as mãos agitadas como se quisesse sublinhar todas as frases, a outra olha para ela e titubeia uma ou outra frase, para interromper tal eloquência. Esta última, parecia ter botox nas maçãs do rosto, e um olhar meio estrábico, que não deixava perceber, se olha para a outra mulher, ou se para o homem que nas costas dela, sentado, estava tomando o seu café. Na verdade, ela parecia estar mais atenta, ao homem que também olhava no mesmo sentido. Parecia haver uma troca de olhares entre eles. O estrábico olhar facilitava a vida. A outra mulher, que se agitava com a sua fala, estava tão entretida no seu contar, que nem se apercebia. Interrompendo todo o ruído do ambiente, um cão começou a ladrar, para que o dono, que comia uma torrada e tomava meia de leite, dividisse o pequeno-almoço com ele. O dono dividiu, para evitar perturbar o ambiente. Entretanto, os dois que se olhavam, já trocavam uns leves sorrisos disfarçados, como quem não quer a coisa. Ela rodando um pouco mais a cabeça, e o olhar mais intenso, exibindo um pouco as pernas morenas que sobressaiam da sai curta, ele comendo a torrada e sorvendo a meia de leite, lentamente passando a língua pelos lábios insinuando outros saberes e sabores. O sol começava a aparecer, no meio da bruma matinal e calor começava a surgir acompanhado de uma brisa, que se estava a tornar incomoda. A esplanada estava a tornar-se pequena para aqueles dois, um deles tinha de tomar alguma atitude, ou não. Na verdade, o homem levanta-se, e, quando eu esperava uma daquelas cantadas, ou outro avanço, para estabelecer contacto, retira-se todo emproado erecto, como se nada tivesse acontecido. Poderia eu, concluir, que me precipitara no raciocínio? Será que não passara de um pequeno flerte, de aquecimento para os dias de ócio que iriam comandar os próximos dias. Fiquei defraudado, esperava mais daqueles dois, talvez um amor tórrido de verão, ou uma aventura secreta no meio da multidão.

 

DC

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Dialogitar


Falam-se de experiências, cada um no seu canto, contos de perdidos e achados, que não é possível recuperar. Se libertam, criam espaço, na rede neurológica, para não mais se repercutirem, como perdas de tempo. Lembram indecisões, que se não devem repetir, sem esquecer, que no errar e acerto foi onde hoje chegaram. São coisas, como percursos políticos, ideologias, saudades, amores e fatalidades, são farrapos de uma existência longa, que se fixaram, em si próprios, sabe-se lá porquê. E agora numa catarse saudável, deixamos desenrolar, paulatinamente, sem ajuizar, boa de acontecer e desenvolver, numa partilha que nos torna mais leves. É um raciocinar, no decorrer da fala. É, um ir e voltar, nesse procurar de respostas, a perguntas, que se alongam em novas perguntas, num corrupio, agradável que alimenta o conversar. Que bom, encontrar um interlocutor válido, que não acena com a cabeça, em apoio conformado, que retruca, com inteligência, com outras práticas e outros exemplos, revela incongruências, mas também sabe aceitar outras evidências.
A tecnologia digital, aproveitada para servir o ser humano existe e é boa, e contribui, neste caso, para que dois distantes, se tornem próximos, é mais que evidente. Importante, é que o ser humano não seja preguiçoso, e se deixe na comodidade, de ser dominar pelo algoritmo, e se perca nas teias, de quem a domina tais tecnologias, e, passe a repetir padrões de pensamento e dominação.

dc


N: Dialogitar, é um palavrão composto. Dialogar digital


sábado, 10 de agosto de 2024

DIvagando


Desfiz as malas, pouco tempo após chegar a casa.
Olhei, o espaço, retomei os lugares, arrumei o que havia para arrumar e pus a lavar o que havia para lavar.
Seguiu-se um banho relaxante, enquanto o livre pensamento desfilava sobre o modo como corre a vida, abstraindo-me de entrar a pés juntos nas rotinas.
Tento fazer um esforço para procurar descobrir, que sintonias encontrar, que intuições saem de mim, para seguir com o pós férias. Cansa a repetição insuportável, que estabelece que as férias existem, para sossegar do trabalho, e que este serve para suportar as férias que sempre gozávamos. Cansa a ausência de energia, para trazer a paz necessária, para abandonar tudo, encontrar o voo certo, para derrubar, todas as regras absurdas que a sociedade nos impõe como único caminho para sermos gente. A natureza ensina muito com o seu desenvolvimento, como reage à interferência dos humanos, com a sua evolução ou paragem, regeneração e morte.
Se a energia domina a constituição do nosso corpo, como nos deixamos dominar pela imposição de estruturas contra-natura?

dc

 


quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Um dia nas férias

Amanhece com o céu enublado, que fazer? Em tempo de férias é uma chatice, em especial para quem gosta de ir à praia. A areia está molhada. O sol não está lá, para podermos secar e morenar de papo para o ar, quando saímos do banho de mar. O que nos resta fazer? Quando vamos de férias, mesmo quando para usufruir da praia, devíamos ter um plano alternativo, para sair de casa, caso contrário é como se nos mantivéssemos fora de férias. Ir à piscina só para tomar banho? Será que na piscina municipal, não incomoda a falta do sol? Talvez, por causa deste clima incerto, nem apetece fazer exercício físico, como é meu hábito. Até que seria bom para espevitar. E, mais estranho ainda, que mesmo gostando de ler, com esta morrinha húmida e chata caindo, nem apetece abrir um livro. Ir para um café, ou passear, seria uma hipótese, mas como, se tudo está cinzento e desagradável? Resolvo sair. Na paragem do autocarro que circula pela zona, penso no que fazer; se vou tomar um café, tentando ler um pouco, enquanto deito o olho às pessoas que passam, muitas delas agitadas deslocando-se para os empregos, enquanto, outras tomam um café apressado, ou, os que, como eu, estão na reforma e fazem conversa de rotina. Como eu gostaria, de ser capaz de meditar, para fugir para o lado desconhecido da mente, do que se diz: nada pensar e tudo fazer fluir. A ser verdade, recuperaria deste cansaço e aborrecimento, que me vem a tomar o corpo, já há algum tempo, e que gostaria de afastar de mim, razão pela qual fazer férias era importante. Tenho dormido, e sabe-me bem, as férias também são isso, repouso, embora o acordar seja um pouco abstruso, e fique, como sem pé, à procura de mim mesmo, demorando a saber “o que faço aqui”, como diz a canção. É nesse despertar, que envolve o reencontro, entre o mundo abstracto da mente durante o sono e o retorno à realidade, que a ausência do sol brilhante e céu azul, me fazem mais falta.

 

dc


sexta-feira, 19 de julho de 2024

Férias. Até ao lavar dos cestos..



Amanhece-me o corpo com o calor. A preguiça que a noite trouxe, contamina o cérebro enublado, trôpego de gestos, sento-me na borda da cama, absorto tentando encontrar o caminho. Primeiro, saber do lugar onde me encontro, depois encontrar a coragem para me mexer e erguer o corpo. Obra difícil. Sabe bem, estar assim, olhando  os pés sobre o tapete, ainda sem os chinelos, que onde ajudar no caminho. É interessante como os dedos dos pés, nesta altura do dia, são motivo de atracção, mexemos um e outro como se quiséssemos através deles chegar ao cérebro emaranhado da noite que findou. Nem reparamos, se os pés são feios ou bonitos, mexemo-los simplesmente como se estivéssemos a tocar piano com eles. O vizinho do apartamento ao lado bate a porta dentro de casa, e as paredes, de cartão, fazem nos crer que está a acontecer na nossa cabeça. Fico desperto e começo a insultá-lo baixinho: como é que um cabrão destes, acorda tão cedo em plenas férias, e entra no mundo dos outros com esta bestialidade. Na verdade tenho de agradecer-lhe, deu-me o gás necessário para conseguir levantar-me e lentamente descer as escadas a procurar solução para a modorra que me trava os gestos. Coragem, penso eu, o dia está por tua conta, só tens que vestir uma coisa qualquer, umas chanatas nos pés e ir para a cozinha preparar o pequeno-almoço, depois, lá vais tu para a praia, tomar o teu sol, meter esse corpinho na água do mar, fria o suficiente, que parece que estás no Ártico. Regressas à toalha de banho, anteriormente estendida, que te espera, e começas a tua rotina de leitura, intercalada com um fechar de olhos, malicioso, que engana quem passa. Arregalas os olhos de vez em quando, com os passantes, que de calções ou biquini se vão mostrando e voltas à fluidez da pasmaceira da praia. Ler, fechar os olhos, ver quem passa, ler fechar os olhos e ver quem passa. Intervalo para molhar o corpo, que o sol é muito forte e voltar a pôr o protector(?) solar. Assim vai passando este ramerrame do ínicio das férias. Entretanto, lá chegará a hora ir almoçar, acompanhada de conversa ligeira e algumas vezes divertida, abrindo a porta à respectiva sesta, e por aí vai o correr do dia. Férias são férias. Até no lavar dos cestos é vindima e mais nada.

 

dc

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Diálogo invisível

 

Espantado com a claridade do seu olhar, transparente, puro. Um olhar que se adentra no meu, fixando-me na sua infinitude. Fala-me de amor sem que as palavras se soltem, mas ouço-a num sussurro dentro de mim, é um diálogo invisível, que só os dois entendemos. Tudo acontece, como se fora previsto, sem sobressaltos. Os corpos movimentam-se, convergindo, com um fio condutor que nos hipnotiza. Quando perto, o seu perfume sobressai, e o calor do seu corpo, faz-se sentir no aflorar da ponta dos dedos que se tocam, milésimos de segundos antes de as mãos se apertarem, e os corpos se enlaçarem na linguagem frenética do espanto. Movidos por certezas, que não sabemos possuir, que se afirmam nas letras que compõem esse sentimento, que alimenta a alma dos poetas, é tema de filmes, enriquece performances em diferentes palcos da arte e da vida. Somos possuídos por uma espécie de montanha-russa de emoções. É incrível a abstração pura do que nos envolve, ambos deitados num colchão de nuvens, inexplicável ao comum dos mortais.
Tanto tempo passado desde que acontecera. Quase em apneia, acordo assustado, procuro os teus olhos, e encontro a almofada vazia. Já não estás ali como eu me habituara, nos muitos acordares. Partiste com serenidade, no seio da dor que te magoava o corpo. Agora, só cheiros vários e objectos sinalizam a tua passagem. Encolho-me sobre o meu próprio corpo. Encosto os joelhos no peito. As lágrimas correm, afinal foi tão curto o nosso tempo de viver. Dizem que o Universo, planeia tudo, mas porquê ser tão frio e calculista ao atribuir-nos um tempo de partir, quando queremos ficar?

 

dc


terça-feira, 9 de julho de 2024

Abstração


Fala-me, eu escuto, mesmo que não conheça a tua língua, estou capaz de te entender. Tu falas por ti, e por mim, nesses gestos vagos de nada dizeres. São desenhos abstratos, feitos no ar, nessa imensa lousa onde existimos. Como explicar aos outros, que a nossa linguagem é subliminar, que só olhamos os movimentos, a agitação e clareza do olhar, o mover dos lábios mudos, dizendo para lá do espelho que nos envolve. A energia que se liberta, comunica e desperta a consciência daquilo que é intrínseco de cada um. As palavras não fazem sentido naquele permanecer, alguns sons, talvez, alguns cheiros, certamente. Ligados pela abstração de um sentimento, que não sabemos explicar, restamos sentados, próximos, marcando o compasso da respiração surda, serena no peito. As horas passam, o dia nasce e morre como se não existissem limites. Abrimos uma porta, que não sabemos onde vai dar, nem se pode ser fechada. E pouco importa que assim seja, nós somos a presença que queremos. Um para o outro, escrevendo o diário, com tinta transparente, em letras de uma língua desconhecida.

dc

segunda-feira, 8 de julho de 2024

A voz que me encanta

Sydnie Christmas um talento cantando

A voz me encanta, a boca desenha um sorriso, lindo, intraduzível. Os olhos sorriem e brilham, acompanhando os sons saídos dos lábios. Com a simplicidade, como se apresenta, assim o poema sai, fluindo na sua voz quente e límpida. Sinto que me afasto, torno-me etéreo naquela escuta. O mundo, é todo, uma nuvem, que me conduz para lugares desconhecidos. Sentimentos vários, nunca surgidos, se adentram e me arrepiam a pele. Afinal a arte, estética, a voz, a sua figura, nos arrebatam deixando-nos suspensos da realidade material. Sem adivinhar o porquê, enamoro-me do que vejo, ouço e aprecio. Fantástico quando alguém canta e tem presença, e a voz, que nos encanta.

dc

 

 https://www.youtube.com/watch?v=pjyy4tYZFDc