Ele cirandava pela rua escura
de edifícios em ruínas. O miar do gato ao longe, e o ruído que chegava das
casas, eram a sua única companhia. O ambiente era idêntico ao modo como estava
vivendo, tudo lhe era pesado, ele, contra o mundo. Pensamento absurdo de quem
não encontra solução para os seus próprios problemas e se agarra ao pessimismo.
Ultimamente, era comum meter-se em batalhas de opiniões e discussões, onde
quase sempre ficava sem norte e acabava por se empertigar, perdendo a razão, diluindo-a
nas nuvens negras, que ele próprio gerava. Sabia, ter de procurar, fora dos
sítios habituais, as respostas, mas acima de tudo, encontrar dentro de si, as
perguntas. A rotina instalada, de esperar que as coisas aconteçam, não abria
horizontes. Para se obter resultados, é necessário definir bem o que se
procura, onde procurar e o que se deseja encontrar. Ali, ele cirandava, mas
também, sentar-se na esplanada olhando as plantas do jardim, ou no areal,
observando a ondulação mar, só por si, não resultaria, se efectivamente, não deixasse
o espírito libertar-se e ter a coragem de arriscar. Ele queria ser alguém, que
não se servisse das palavras de forma inadequada, para enganar as emoções, ou alimentar
falsas ilusões, antes usá-las para alimentar sonhos e que o ajudassem a
enfrentar a realidade. Este debate, permanente dentro de si, espelhando
dúvidas, retirava-lhe o sossego, a incerteza no provir, era uma merda. Sim, sabia
o que o comum das pessoas dizem: o importante é viver o presente, blá, blá, blá. Pois,
está bem, e como se pára o pensamento, que circula à velocidade suprasónica,
nessa busca, duma razão para este seu estado de espírito? A culpa será da
economia, da pandemia, do medo viscoso que ainda domina as pessoas, no registo da
distância física segura, na máscara que açaima, na surdez às evidências, ou na
aceitação, da mentira de vozes variadas de sentido único, em todos os media, em
especial os televisivos, que agora nesta guerra dos eslavos, se veio acentuar? É
bem possível que seja tudo isso, que nos faz perder o norte, pôr em causa os
valores com que fomos educados, de duvidar do que aprendemos, do nosso conhecimento,
da nossa capacidade de lutar e amar, de expor das fraquezas humanas. Fraquezas
estas, exploradas por técnicos e especialistas vários, no sentido de moldar
quem somos, para sermos aquilo, que quem domina a sociedade, quer que sejamos. Será
essa, a razão da angústia, da dificuldade de comunicar, de fechar o rosto, ou
desabar em palavras incoerentes e perdidas de sentido? Possivelmente, a maioria
dos outros, nunca entenderão esta “pescadinha de rabo na boca”, que o trouxe a
esta rua escura, afastado do comum dos mortais, a sua maioria catequizados por leis
e pressões, daqueles que na sombra exercem o poder.
Naquele, caminhar sem destino horas a fio, sem saber porquê e quando parar, a
cada passada, surge uma reflexão, uma emoção, a visualização abstracta, o
sonho, o desejo de que tudo mude sem que “perca o fio à meada” da existência. É
uma busca incessante de perguntas para a resposta que não tem.
dc