Sentado no café, como sempre, bem cedo, fiquei olhando através da vidraça a azáfama das gentes, que no corre-corre diário se deslocam para os seus múltiplos afazeres. E penso, coisa que ainda não tem qualquer taxa.
As pessoas transportam a angústia e o desalento no rosto fechado da manhã.
Não há alegria num povo que se sente amordaçado, pelo receio de perder o emprego, de não ter dinheiro para pagar os seus encargos mensais, de não saberem como alimentar-se com tão escassos recursos. Gente nova sem trabalho, desempregados nas filas do Centro de Emprego para o controlo. Gente idosa que deambula pelas ruas, sem eira nem beira, revistando caixotes à procura de objectos para vender ou, em alguns casos, alimentos.
As notícias nos media são ridículas. Os jornalistas sem espinha, defendem a voz do dono, e escrevem notícias que não revelam a verdade, ou dão parecer favorável às políticas dos governos e do capital financeiro que tudo domina.
Fala-se em democracia, e podemos perguntar, qual? A democracia da fome e miséria, do desemprego, das reformas chorudas, dos indivíduos que ganham ordenados vultuosos à custa do “Zé pagode”? De um SNS que piora a toda a hora e com taxas moderadoras que limitam cada vez mais a Saúde para todos, como diz a Constituição da República. Esta democracia, a única coisa que nos permite, ainda, é gritar e falar para o boneco.
É esta impotência perante a injustiça que vai calando dentro de nós, que nos tira a vontade de sorrir, e põe a grande maioria dos portugueses apatetados, olhando as telenovelas, sem se aperceber sequer da qualidade dos seus conteúdos. Para os programas diários da manhã das TVs, que parecem o Natal dos hospitais, ou para o futebol e as futeboleiras e chatas discussões sobre o mesmo ou, no pior, os Big Brothers da promiscuidade, que dizem, o povo tanto gosta, como se as audiências não fossem fruto da exploração da ignorância e falta de cultura das pessoas.
Antes de Abril de 1974, no S. João, aproveitavam-se os bailes de “bairro” para dançar, e na noite da véspera aproveitávamos as rusgas enormes para cantarmos a cada momento canções revolucionárias, que arrancavam sorrisos e gargalhadas das pessoas, como se fossem uma libertação. No meio da algazarra distribuíam-se panfletos subversivos. Mesmo correndo o risco de ser presos, havia a alegria de fazer algo de positivo para levar a esperança a todo um povo debaixo da repressão, e sorríamos por saber que não nos paravam a luta.
Neste país, se não ouvirmos algumas vozes discordantes que vão aparecendo e nos vão abanando, ajudando-nos a lutar e resistir, perderemos o sorriso, a alma e tudo o mais. E nesse caso, o melhor é um dia destes encomendar a alma ao criador, porque aqui já não vale a pena ficar
quinta-feira, 21 de junho de 2012
NO ROSTO FECHADO DA MANHÃ
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