Estava eu na esplanada, quando vejo chegar dois casais na casa dos cinquenta e picos, e uma jovem, entre os dezasseis e os dezoito anos, pelo que percebi filha dum dos casais. O outro casal tinha todo aspecto daqueles casais que por qualquer razão, ou fatalidade não tiveram filhos. O homem, do tal casal sem filhos, e a jovem traziam no colo dois cães tipo “West Highland White Terrier”. Sentaram-se os cinco em volta de uma mesa, e reparei que no pescoço de cada cachorro, traziam um lenço a cobrir a coleira. O sr. sentou-se e poucos minutos depois pôs o cachorro no chão, a moça foi mantendo o dito cão no colo e abraçava-o de frente, com as patas em cima dos ombros, como se de um bebé se tratasse. - Ele hoje está sem comer até agora...podes-lhe dar qualquer coisa.. - Diz a “dona” sem filhos, com ar de peninha – Dá-lhe um biscoito.. - Não! Responde o homem, ele só come uma vez por dia.
A moça continua, quase beijando o cachorro, abraçada ao seu “bebé”, e toda entusiasmada com as conversas de cachorrada que se vão desenvolvendo. A “mãe” sem filhos diz: - Hoje compramos brinquedos para o nosso menino, ora vejam, e mostra um peluche de pequeno porte, que lindo... o meu pequenino vai ficar muito feliz. Uma criança se aproxima e pede para tocar no cão. - Podes tocar sim - diz a “dona” sem filhos - sabes esse é um “menino” por isso tem lenço azul, aquela é uma “menina” tem lenço vermelho! A jovem continuava com a “menina” no colo, toda afadigada a prodigalizar-lhe beijinhos e ternuras roçando sua boca no pêlo do cão, tentando ao mesmo tempo abrir um saquinho que tinha os biscoitos, para a sua “menina”. Entretanto o “menino”, vê um carrinho de bebé – mesmo de um bebé humano – que se aproxima e começa a ladrar irrequieto. Que só amaina perante a voz apaziguadora da dona, diminuindo os ão aos. Fico olhando, silencioso, pensando... Quem tem animais deve tratá-los com amor e atenção, mas não será exagero tratarem-nos como seres humanos? Não será ridículo que se trate um cachorro, ou um gato por António, Matilde ou Maria, ou que se diga que o bicho “está com uma carinha triste”? E o que pensar dos que vestem o cão com “coletinho de malha” por causa do frio? O que leva esta gente a cuidar dos animais domésticos como se fossem crianças?
Será que esta gente, que também vota, terá a percepção da fome e dificuldades com que vivem a maioria dos portugueses?