sábado, 29 de novembro de 2025

Nem sempre o humor é fácil

Nesse vazio de gargalhada plástica, de frases incoerentes, imagens disparatadas semelhando humanos, a música vai mediando, entre os pensamentos desconexos e a realidade que magoa e traça sulcos, nesses diferentes caminhos, onde o sangue corre nas veias e atinge o alvo. Raciocínio absurdo, porque não? A vida tem momentos tão absurdos, que nos faz ignorar perguntas, com medo da dureza das respostas. Nem sempre o humor é fácil, se fosse teria de vir acompanhado de cinismo, para poder dizer sem receio de magoar. O sorriso, ou a gargalhada esperta no comum, vem de ferir o outro, que não se apercebe da sua insuficiência e é motivo da piada fácil. Quase sempre esse humor fácil é fruto de um cinismo e ignorância. É uma história, fruto da escorregadela na casca de banana, ou da inocência de quem se revela perante o outro. A imagem, é o enquadramento de cena onde ele ganha os sorrisos alheios. Sim, aprecio muito mais o sorriso simples de quem nada teme, que não se gasta em gargalhadas de fácil cometimento. Sim, algo que sai de dentro, aquela a alegria que fluí do prazer de estar e viver o momento presente, mesmo que só, como aquela imagem brincalhona do gato, desfazendo o rolo de papel higiénico, ou espreitando com a curiosidade de quem se diverte, ou ainda da possível distração, de escovamos o cabelo com a escova de dentes, como espectadores do insólito.
Tudo, assim escrito, porque sendo sábado eu sorrio, agarrando a hipótese talvez ridícula de que um dia será possível, que o prazer do sorriso inocente, livre, sem constrangimentos, aconteça sem que não sejamos um avatar que quis esconder a realidade.

dc


domingo, 23 de novembro de 2025

Olho sem ver, leio sem ter letras


Sei que risco e desarrisco, correndo o risco de nunca acertar, mas que hei de eu fazer, se até tenho receio de começar. A página de papel, em branco, implica a escolha do que escrever, as letras a desenhar, a criatividade do gesto, o cheiro do papel e da tinta nas letras a escorregar. Por fim, palavras alinhadas, pensamentos desalinhados, como possibilidade. As palavras dizem, expressam(?) o que parece certo, e encontram-se alinhadas como se tudo convergisse, mas os pensamentos se contradizem, e nesse caminho do certo ou errado, tudo é desconcerto. Na verdade, penso que posso dizer-te o que penso, dizer-te, amo-te de modo intenso, com as palavras certas. Pode não ser ideia acertada, que perturbe o teu caminho, quando muito tens para andar. Eu, pelo contrário, caminho decrescendo, vou-me afundando diminuindo o tempo, para aqui restar. Nascemos distantes no tempo, em cidades equidistantes, no entanto, próximos no entendimento, ou se calhar nem isso, porque amar é um sentimento sem explicações datadas no tempo, é um lugar de dois, que é, ou será, bom enquanto durar.
Então em que ficamos, como dar o primeiro passo além da escrita. Não me quero calar. Não dizer, é ficar sem saber, se foi errado, ou não, se nem sequer começamos a dizer o que cada um pensa. Volto ao princípio, risco e desarrisco, esmago folhas de papel, escolho nova caneta, até penso usar um pincel, que em tempos usava para desenhar letra, apreciando as cores à mão na paleta, do mesmo modo, assim ia desdobrando, entre pensamento e objecto no decorrer da execução, fosse em tela ou cartão, esperando que a resposta fosse dada pelo coração. Fico por aqui, neste texto com este sarilho, que nem sei resolver, tanto o que me adentra consome. Olho sem ver, leio sem ter letras, e penso sem parar no que tenho que riscar e arriscar.

dc


domingo, 9 de novembro de 2025

Arrisquemos

 

Sim, as lágrimas correm-lhe dos olhos, mas é no interior do seu peito que elas nascem. É ali onde elas se laboram, trazendo mágoa e tristeza. O mundo se derrete na mão dos poderosos e a gente humilde, planta-lhes aceitação fazendo-os mais fortes, tal a aprendizagem que a ignorância lhes permite. Tornam-se apolíticos porque se julgam incapazes de saber dizer, de si. Aceitam fácil, a vozearia dos farsantes, engravatados, e deliciam-se com o seu falar bonito, mesmo usando palavras que mal conhecem, em promessas dum futuro que anseiam, mas dificilmente se cumprirá. Acreditam, porque é mais fácil fugir do confronto, com quem os esmaga e explora. Sentem-se ignorantes incapazes de discurso, por inconsciência do quanto seria suficiente dizer-lhes da fome que os corrói, das casas miseráveis onde vivem, do embrutecimento, da falta de formação e cultura a que são devotados, não aceitando o engano de que o mundo de hoje é outro, que temos de estar a par da modernidade, das tecnologias e têm de se adaptar, como se hoje a exploração dos seres humanos, não tivesse requintes, tão, ou mais graves do que no passado. Sim, ele tinha de ficar triste, por saber que muitos no seio do povo, ainda acreditam que pôr uma cruz num papel e colocá-lo numa urna é suficiente para mudar o mundo onde vivem. Desconhecem, ou tentam não pensar, que os que, inventaram o uso do papel e da urna, são os mesmos que os enterram, na miséria dos dias e que os convencem que não há alternativa, desmobilizando-os, da sua força e capacidade para mudar o mundo, nas lutas e na conquista da rua, como palco do seu descontentamento. Temem os vermelhos e apresentam-lhes os laranjas, mas malaguetas vermelhas e picantes, não enganam e dão melhor sabor aos comeres, no entanto, as laranjas na sua cor vistosa, nem sempre são doces. Somos o povo que tudo conquista na amarra, porque nada lhes é dado, mesmo o que é seu por direito. O povo tem de confiar, pois, até o girassol de cor amarela e brilhante contém no meio o preto, onde se alojam as sementes, que trazem o futuro. Arrisquemos, onde nunca o fizemos por medo, temos do nosso lado a razão, para enfrentarmos essa gente, que sempre fez do povo o seu “putedo”.

 

dc