domingo, 23 de novembro de 2025

Olho sem ver, leio sem ter letras


Sei que risco e desarrisco, correndo o risco de nunca acertar, mas que hei de eu fazer, se até tenho receio de começar. A página de papel, em branco, implica a escolha do que escrever, as letras a desenhar, a criatividade do gesto, o cheiro do papel e da tinta nas letras a escorregar. Por fim, palavras alinhadas, pensamentos desalinhados, como possibilidade. As palavras dizem, expressam(?) o que parece certo, e encontram-se alinhadas como se tudo convergisse, mas os pensamentos se contradizem, e nesse caminho do certo ou errado, tudo é desconcerto. Na verdade, penso que posso dizer-te o que penso, dizer-te, amo-te de modo intenso, com as palavras certas. Pode não ser ideia acertada, que perturbe o teu caminho, quando muito tens para andar. Eu, pelo contrário, caminho decrescendo, vou-me afundando diminuindo o tempo, para aqui restar. Nascemos distantes no tempo, em cidades equidistantes, no entanto, próximos no entendimento, ou se calhar nem isso, porque amar é um sentimento sem explicações datadas no tempo, é um lugar de dois, que é, ou será, bom enquanto durar.
Então em que ficamos, como dar o primeiro passo além da escrita. Não me quero calar. Não dizer, é ficar sem saber, se foi errado, ou não, se nem sequer começamos a dizer o que cada um pensa. Volto ao princípio, risco e desarrisco, esmago folhas de papel, escolho nova caneta, até penso usar um pincel, que em tempos usava para desenhar letra, apreciando as cores à mão na paleta, do mesmo modo, assim ia desdobrando, entre pensamento e objecto no decorrer da execução, fosse em tela ou cartão, esperando que a resposta fosse dada pelo coração. Fico por aqui, neste texto com este sarilho, que nem sei resolver, tanto o que me adentra consome. Olho sem ver, leio sem ter letras, e penso sem parar no que tenho que riscar e arriscar.

dc


domingo, 9 de novembro de 2025

Arrisquemos

 

Sim, as lágrimas correm-lhe dos olhos, mas é no interior do seu peito que elas nascem. É ali onde elas se laboram, trazendo mágoa e tristeza. O mundo se derrete na mão dos poderosos e a gente humilde, planta-lhes aceitação fazendo-os mais fortes, tal a aprendizagem que a ignorância lhes permite. Tornam-se apolíticos porque se julgam incapazes de saber dizer, de si. Aceitam fácil, a vozearia dos farsantes, engravatados, e deliciam-se com o seu falar bonito, mesmo usando palavras que mal conhecem, em promessas dum futuro que anseiam, mas dificilmente se cumprirá. Acreditam, porque é mais fácil fugir do confronto, com quem os esmaga e explora. Sentem-se ignorantes incapazes de discurso, por inconsciência do quanto seria suficiente dizer-lhes da fome que os corrói, das casas miseráveis onde vivem, do embrutecimento, da falta de formação e cultura a que são devotados, não aceitando o engano de que o mundo de hoje é outro, que temos de estar a par da modernidade, das tecnologias e têm de se adaptar, como se hoje a exploração dos seres humanos, não tivesse requintes, tão, ou mais graves do que no passado. Sim, ele tinha de ficar triste, por saber que muitos no seio do povo, ainda acreditam que pôr uma cruz num papel e colocá-lo numa urna é suficiente para mudar o mundo onde vivem. Desconhecem, ou tentam não pensar, que os que, inventaram o uso do papel e da urna, são os mesmos que os enterram, na miséria dos dias e que os convencem que não há alternativa, desmobilizando-os, da sua força e capacidade para mudar o mundo, nas lutas e na conquista da rua, como palco do seu descontentamento. Temem os vermelhos e apresentam-lhes os laranjas, mas malaguetas vermelhas e picantes, não enganam e dão melhor sabor aos comeres, no entanto, as laranjas na sua cor vistosa, nem sempre são doces. Somos o povo que tudo conquista na amarra, porque nada lhes é dado, mesmo o que é seu por direito. O povo tem de confiar, pois, até o girassol de cor amarela e brilhante contém no meio o preto, onde se alojam as sementes, que trazem o futuro. Arrisquemos, onde nunca o fizemos por medo, temos do nosso lado a razão, para enfrentarmos essa gente, que sempre fez do povo o seu “putedo”.

 

dc

domingo, 12 de outubro de 2025

Não sobrecarregues o teu silêncio...


Não sobrecarregues o teu silêncio, experiencia-o e apreende, ele existe na construção do que és. Tudo o que ele começa por aportar, no correr da sua existência, vai-se diluindo, torna-se meditativo, preenchido por ideias e imagens, que não param no tempo, mas vão evoluindo de um ponto a outro, trazendo novas energias e melhores perspectivas. Escolhemos o silêncio, como necessidade intrínseca do próprio sujeito, ou como resposta de circunstância. Pode ser um silêncio a sós, ou, acompanhado, e neste último caso, é importante que exista espaço e respeito mútuo, entre quem o pratica e com quem se partilha, mais do que silêncio.

dc

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Um sorriso, além das palavras


Pensava ele. Não ignoro o seu sorriso, seria impossível, ele é uma brisa que chega para refrescar a canseira dos dias. É verdade que não o manifesto, que o vivo em segredo. Quando ele surge, na moldura do seu rosto, fico-me pelo silêncio deliciando-me com a sua leveza, com as linhas que o desenham na tua boca, com a doçura com que adentra em mim. Dizem, os artistas, os filósofos, os criadores, e muitos outros pensadores, que o amor não é, só palavras ricas de significado, é a disponibilidade para com o outro em diferentes circunstâncias da vida, na alegria que traz, no abraço prolongado que aconchega, na sua cultura, singeleza, beleza da alma, tantas e variadas emoções e razões. São eles que falam, quase sempre, menosprezando a materialidade do corpo no surgir de tais sentimentos. Talvez tenham razão. Para mim, tudo bem, é possível que alguém pense desse modo, mas não estou convencido. Não fosse aquele seu sorriso, a porta de entrada para o todo que representa, o resto seria insuficiente para chegar até mim, ele fala de dela, sem pronunciar qualquer palavra, ele é um dom raro de humana criatura. Aquele seu sorriso, foi o ponto de partida para a minha atenção, razão do meu entusiasmo de partir à descoberta, de todo o resto, que dizem, estar mais além do que é físico. Talvez tenham sido esses pensamentos, que o seu sorriso me desperta, que agora ao chegar da noite, com a chuva derrubando o silêncio, no seu cantarolar costumeiro a derramar-se sobre a terra, me sugeriu que a vida é construída, no meio de estações de tempo e de experiências. O seu sorriso, chegou como verão inesperado e tem-se mantido. Agora, que foi batizado pela chuva que anuncia, que o outono está à porta, fica-me a esperança de que se manterá na órbita do meu espaço, na sucessão das estações, evitando que o meu se definhe, pela sua ausência. É bom saber dela, seja na noite que chega, ou no dia que se inicia, com um sorriso que fala além das palavras.

dc



 

 

 

 

 

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Na moite escura


Na noite escura, o silêncio se apresenta, alvoraça o meu dormir e traz-me o acordar. É o espanto, é o vazio dum não existir, é um olhar fora do corpo, é um respirar paralisado, um espaço de tempo de ausência, com o suor e o calor do corpo assenhorando-se dos lençóis. A energia está lá, sem escala convencional fazendo afluir o sangue aos pensamentos e ao registo da caixa preta das memórias, trazendo-o da zona de morte do sono interrompido. Só eu sei do silêncio. Não há rastro de actividade, nem ruído. Aguardo no escuro, sem me atrever a abrir os olhos. Evito saber se é um sonho de desconcerto, ou uma realidade que me absorve sem permissão. Forço-me a abrir os olhos, e resulta num pestanejar de milésimos, onde entrecorrem múltiplas estórias, logo esquecidas.
A beira da cama, é lugar de ficar em perturbado raciocínio. Esticar os braços para o alto, sem crença em Deus a que apelar, é tentar a estabilidade, fugir da depressão, da raiva dos dias. A cabeça não se eleva, carrega a vergonha dum humano. Cheira a morte, lá longe, de crianças, mulheres e homens, que de braços estendidos, mãos em desespero buscam o pão e arriscam uma bala assassina. As lágrimas afloram os olhos, o sono mal acontecido traz a mágoa, a impotência, a angústia de como superar este inferno, este caos premeditado, trazido à sociedade.

O palhaço, que desonra quem o faz profissão circense, com máscara sua arrogante, ameaça todo o mundo, com voz de falsete, trazendo um sorriso amarelo aos submissos temerosos de desagradar. Procura colocar na sombra, a ignomínia dos seus actos de outrora. Usa o velho tempero, dos antecessores, para esconder a realidade, trazida pelo ricaço enforcado. Cria outra sombra, em proposta de Riviera de Luxo, sobre cadáveres inocentes.
Tombo-me sobre os lençóis, em peso morto, no desconforto de nada fazer, nem mesmo elevar a voz, ou mostrar a vergonha covarde de assistir sem me mexer.

 

dc

 

 

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Um "nós" por DesAtar

Nem sempre falo, muito menos escrevo, da nossa estória vivida de norte a sul, e tenho saudades de teu chamego. Num suspiro solto, olho o céu azul, lembro as palavras doces em sossego, que nem as nuvens se atreviam a quebrar na rotina do enlevo. Na superfície curva mais além, no horizonte, os olhos se pousam e entre nós, respira o verbo amar, no trocar de discurso dos amantes sobre o carregado fundo azul. As nuvens são fáceis de volatilizar da nossa paisagem, não as queremos a perturbar-nos, sem lamento o vento as vai levar.

A verdade, é que não sei desatar este “nós”, que ficou ao longo do tempo travando, o desenlace.

dc

 

 

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

SobrePosição

A vida também é um cruzeiro, mas não de além-mar, é um caminho pela terra, onde também se pode navegar, ou naufragar. Criam-se expectativas, sonha-se o seu mar e todos os portos onde ficar. A terra que queremos ver, o povo do seu lugar, a companhia com que levamos e queremos amar. Toda a descoberta, é um caminho a crescer dentro de nós, a mente, sem esforço, apreende esse modo de estar, tem imagens gravadas, na memória de futuros no momento de recordar.
A impaciência, a imperiosa exigência, de antes o mar para navegar, não condiz com a vida, que na terra, nem o sonho deixa pensar. A vontade pode ser muita de cortar horizontes, mas a vida não é uma permuta, nem profícua em ingredientes, dando-nos a esse luxo. Temos de ter os pés bem assentes em terreno seguro, porque voar sem estratégia de como pousar, pode ser como um astronauta, na lua sem pousar.

 

dc