segunda-feira, 9 de junho de 2025

SobrePosição

A vida também é um cruzeiro, mas não de além-mar, é um caminho pela terra, onde também se pode navegar, ou naufragar. Criam-se expectativas, sonha-se o seu mar e todos os portos onde ficar. A terra que queremos ver, o povo do seu lugar, a companhia com que levamos e queremos amar. Toda a descoberta, é um caminho a crescer dentro de nós, a mente, sem esforço, apreende esse modo de estar, tem imagens gravadas, na memória de futuros no momento de recordar.
A impaciência, a imperiosa exigência, de antes o mar para navegar, não condiz com a vida, que na terra, nem o sonho deixa pensar. A vontade pode ser muita de cortar horizontes, mas a vida não é uma permuta, nem profícua em ingredientes, dando-nos a esse luxo. Temos de ter os pés bem assentes em terreno seguro, porque voar sem estratégia de como pousar, pode ser como um astronauta, na lua sem pousar.

 

dc

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Às vezes acontece

 

A chuva batia, com força, contra os vidros, trazida pelo vento, como se estivéssemos em pleno inverno. Chuva, vento e frio, tempo ideal para aproveitar, para descansar.

Na cama permanece o calor dos corpos, que durante noite deram espaço e desvelo, aos desejos e instintos, ficando sadiamente reconfortados.

Na véspera, ela tinha chegado de avião, após uma viagem de mais de dez horas.


Ele tinha ido ao aeroporto, esperar a sua chegada. O seu rosto vinha marcado pelo cansaço, mas não o suficiente para que os seus lindos olhos, cor de esmeralda, perdessem o seu brilho, nem que o seu sorriso, deixasse de desenhar a sua boca carnuda, pintada com batom vermelho. Reparei nas suas calças e blusa, que embora simples, davam-lhe elegância e juventude. Eu estava, vestido em modo desportivo, polo e calças de ganga, e um ramo de flores com cheiro de primavera. Quando os nossos olhares se cruzaram e o reconhecimento foi feito, a mala que empurrava, assim como o casaco, foram largados, enquanto aceleravam o passo dirigindo-se um ao encontro do outro, até se abraçarem. Ele, eufórico, elevava-a no ar expressando o seu entusiasmo, beijando-se, pela primeira vez. A doideira concretizara-se, afinal não fora tempo perdido, algo acontecera que os fizera juntar-se, mesmo quando tudo parecia ser impossível.

Depois de um jantar simples, em lugar agradável, conversaram sem tempo, desatando nós, que pudessem trazer qualquer percalço, naquilo a que se propunham. Olhares se adentrando, à descoberta do que os animava, como se quisessem confirmar, quanto era real. Os dedos, mutuamente tocando as faces, como que desenhando e memorizando todos os pormenores e a tepidez da pele. O cabelo comprido dela, solto sobre os ombros, realçava-lhe o formato do rosto, belo, determinado, mostrando a alegria de estar ali. Os lábios eram macios, quentes, o seu beijo sabia bem.
Ao saírem traziam consigo o calor do ambiente vivido; não havia, como não confessar o efeito dum vinho generoso, que acompanhara a refeição.

A viagem até a casa tinha uma pressa desajustada, para quem quer registar e viver tudo em pormenor, mas havia a urgência, de estarem juntos em lugar mais discreto, onde pudessem estar à vontade, em intimidade.
Foi uma noite, onde não há palavras que a expliquem, as únicas palavras soltas, foram trocadas em momentos, onde os corpos falaram, as carícias se duplicaram até o prazer chegar, em plena realização dos sentidos.

O cansaço baixou-lhes a pálpebras, como persianas que tiram o sol dos olhos, o diálogo foi-se diluindo com as palavras se enrolando. Adormeceram abraçados, respirando pausadamente e sentido o cheiro adocicado dos corpos. O sono seria o complemento da certeza de que uma nova estória se estava escrevendo nas suas vidas.

A chuva fazia-se sentir....medo de abrir os olhos...temia que tivesse sido somente um sonho, do qual não queria acordar...

dc


sexta-feira, 23 de maio de 2025

Quem não queria...

 

Via o tempo a passar. Onde estava o tal amor indescritível de estória de filme, que ela desejava viver. Tinha esse sonho desenhado em imagens e pormenorizado, em todos os seus passos. Diziam-lhe: “o amor está dentro de nós”, mas, na verdade, não pensava assim, era fora de si que ele seria encontrado, e depois transportado para dentro. Na sua mente e na sua sensibilidade, convencera-se que só sentiria esse verdadeiro amor, quando um alguém especial lhe desse um abanão. Só assim acreditaria, ou saberia se ele estava dentro de si. Adorava os silêncios que sombreavam os dias, que lhe permitem pensar e olhar com alguma distância para o que a rodeia, no entanto, gostaria muito mais que esses silêncios fossem acompanhados por um coração vibrando com o seu, em sintonia. Vivenciar, de mãos dadas, com a energia desse sentimento, que adivinha, a faria tremer por dentro e arriscando, sem saber nem avaliar, o que de bom ou mau pudesse acontecer, sem preocupação com futuros.
Tantas vezes dava por si, olhando as mãos, imaginando a corrente de energia que poderia passar delas para outras que a elas se colariam, de dedos entrelaçados, como gavinhas no arame de suporte, ambos desfrutando o pôr-do-sol de um fim da tarde, sentindo afagos, beijos molhados e palavras ditas com o olhar...e o tempo a passar.

 

dc

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Dar um tempo

 

O tempo não se dá, essa é uma ideia que morre, mal se pensa que se pode dar tempo. Traz desde logo, em si, julgamento, em relação ao momento, por insuficiente, demasiado, perdido, tudo isso, mesmo sem saber em relação a quê, e porquê? Afinal que tempo se dá, se interrompemos o tempo, que só existe no conhecimento, ou reconhecimento, da sua presença. Na realidade dar um tempo, é uma forma subtil, de fugir à responsabilidade do que se assumiu, ou não assumiu, de analisar, ou não analisar, talvez até, fugir à oportunidade de esclarecer, das vantagens, ou desvantagens, de “perder” ou “ganhar” tempo, ou o que implica essa decisão. Se dar tempo, tem como objectivo a qualidade de viver o tempo, desperdiça-lo é impedir de viver e aproveitar todos os milésimos de tempo presente, antes de ser passado.

Dar um tempo, será uma afirmação inconsequente, cujo o efeito, à partida é uma objeção, baseada no medo, nas circunstâncias sentidas e vividas, impondo o facto consumado, a um desentendimento, ou instabilidade emocional, no presente, com consequências no futuro próximo.

dc


domingo, 11 de maio de 2025

Porque a vida acontece.

 

Começou com um quero, com a força, dos sorrisos carregados de promessas, que se perderam fáceis de sentido, perante um simples grão de areia, trazido pelo vento no seu correr.
Foram pouco mais de setenta e duas horas, debruadas de palavras de encanto, criando cenários, colados num poderoso sentimento positivo, resumindo tudo, na força do eu quero(!) desenhando horizontes. Setenta e duas horas passaram até que o grão de areia, invadisse a consciência, e tomando-se de razão, impediu, a viagem ao LuAr em alto mar.
Desfeitas as perspectivas, que aquele mísero grão de areia interrompera, a única coisa que restava, era regressar à terra e não deixar que o fracasso do empreendimento, deixasse marca. Caminhar, seria o modo de procurar acalmar e encontrar respostas. Podia distrair-se olhando em volta, fixar-se em pequenos pormenores, esquecidos no comum dos dias. Entendera necessário, esse ir sem destino, para que a manhã se alongasse, afastando de si o fracasso da viagem e os seus fantasmas. Assim, o pensamento vagueava, sem se fixar demasiado na dor fininha, que adentrava bem fundo. Os pés pareciam fluir, de um passo ao outro, com firmeza, mantendo o equilíbrio do corpo, pronto a enfrentar o vendaval de agitada loucura e emoções. Sentia-se um monge de Shaolin, deslizando os pés sobre a folha de arroz, sem deixar rasto. Queria ser invisível, ao outro mundo que circulava perto, ganhando tempo e espaço para perceber, que ainda há a pessoas que acreditam no ser humano, nos seus erros e acertos, alegrias e tristezas, sem desistirem fácil do seu, quero, como desejo, como força de vida.
Porque a vida acontece.

dc

 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Ao primeiro acordar


A memória atraiçoa-me. Coisas boas ocorrem-me, encho o peito, a vontade de expressá-las em voz alta é enorme, no entanto, fogem-me as palavras, e pela boca, saem ruídos desconexos que ficam longe de expressar o que sinto, longe do que eu gostaria e deveriam ser.

O que dizer, do que sentia, ou explicar a doideira do que aconteceu, naquela conversa, que não era pensada interromper. Na aparência, as frases pareciam banais, o vocabulário, não fora escolhido, além do que seria normal(?), mas, suficiente libertador de pensamentos diversos, dúvidas sem resposta, descoberta de sentido das coisas, que agitavam as borboletas. Na verdade, tudo se foi desdobrando e ampliando, com as palavras, dizendo mais, nas entrelinhas, do que o sentido comum, colorindo sentimentos, vidas, sorrisos, mimetismo de sentires. Sem querer, foram colando as frases. No fim das falas de um, o começo das do outro, não havendo lugar a qualquer raciocínio consciente, que lhe tirasse a espontaneidade. A ânsia de dizer, antes que o sentir se perdesse, prevaleceu sobre o que foi escrito, sem julgar a justeza das palavras. O tempo decorreu, não havendo percepção da sua duração. Tanto foi dito, que o espanto, ficou adentrando, pela noite, até ao primeiro acordar, surgido do nada, que trouxe a insónia. O seu sorriso alimentava o sonho, e quase o via existir do outro lado. O primeiro pensamento do dia, trouxe-lhe à memória, o sorriso, e os óculos brilhantes onde se escondia o mundo, que tanto queria descobrir. E pensava: que seja bom enquanto dura, e que seja eterno.

dc

segunda-feira, 17 de março de 2025

Preso no horizonte

 

Resto, imóvel, preso no horizonte, onde aguardo o surgir. Medito, não sei, é uma letargia estranha que me atravessa, é um daqueles momentos em que há posteriori, dizemos que foram segundos, onde milhares de pensamentos ocorrem.

Sinto-me parado no tempo, isolado do mundano. Sinto-me água, brisa, cheiro, a ganhar alento, neste encontrar-me bem por dentro, bem no fundo. É incrível este sentir, que me liga à natureza, e me faz sentir ínfimo, perante a sua grandeza. Os meus problemas existênciais, são variados, no entanto, não tão graves, comparados com os demais, do mundo que me rodeia. Ladeado pelo mar de um lado e as árvores do outro, escolho a leveza da alma lavada, deixo a mente navegar sem amarras, livre para avançar na descoberta desse desconhecido, que tantas vezes o medo condiciona. Sem caminho, sem percurso destinado, ou a estabelecer, sinto uma energia e vontade que me torna capaz de recomeçar num qualquer outro lugar.

As gaivotas rareiam, sobre o mar calmo, os pássaros no seu voar chilreiam, como ensaiado coro, tudo combinado em baixa sonoridade. Da brisa, as árvores estremecem, num arrepiar de prazer, o ar traz-me o cheiro da terra, que se mistura a intervalos com o da maresia. Tudo é sereno neste meu estar. Não sei se o mundo finou, ou se fui eu que me isolei o suficiente. Na verdade, viverei do sol enquanto ele existir. Reconhecerei o vazio sem medo de o viver. Aquilo a que chamam civilização, não é um lugar de agrado, é somente onde me despejaram sem me consultarem, onde me emparedaram, com leis e absurdos, de mentes perversas que pensaram por mim, sem saber de mim, como se a natureza já não fosse suficiente para me fazer crescer limpo de invejas, materialidades e muitas outras coisas desnecessárias. Por vezes, temos de deixar de ser, para renascermos com outro espírito, com mais capacidade e resistência para sermos nós.

 

dc