Já algumas vezes dera conta,
que as palavras lhe fugiam quando procurava as letras que as construíam. Do
mesmo modo a folha branca era um obstáculo, vazia, opaca, fazia temer perturbá-la.
Tudo era desculpa, para não a enfrentar, a impotência de romper a ausência de
ideias, a indiferença mumificada, numa escrita de silêncio. Era só com a
escrita, pois, na verdade, tentava violar essa sua brancura, com arabescos
repetitivos, procurando encontrar nas imagens, a explicação para incapacidade
de produzir texto. O vazio é interior e enorme, fruto de uma fixação absurda de
querer pensar demasiado, no que escrever. Se, o texto não flui, para quê
esforçar-se na procura. O que for escrito não poderá ser uma acção robotizada,
tem de partir de dentro, laborada no âmago, e será depositada, quando se solta,
na ponta da caneta para a superfície de suporte, num correr de palavras e
frases, como sangue escorrendo, da veia, da inspiração.
dc