sábado, 19 de agosto de 2023

O entardecer é um suspiro

 

O entardecer é um suspiro. Corro para ver o Sol, antes de ele partir para outro lugar. Depois fico-me, sentado, usufruindo o bater das vagas no lençol de areia. Tudo o mais é silêncio. As gaivotas já se despediram do dia, e, algumas, estão em grupo pousadas no areal, talvez preparando o sono, quem sabe. Só na minha cabeça, as engrenagens, da vida activam, os diferentes sentidos. As minhas mãos, vivenciam o toque da areia, que escorre entre os dedos; os meus olhos, procuram gravar as cores que marcam o céu e desenham o horizonte; o meu coração baixa as batidas, e a respiração torna-se compassada, lenta absorvendo todos os odores que me chegam. A emoção toma todo o meu ser e uma paz estranha, mas deliciosa, se apodera de mim, sem permissão para interrupções. O mar, está ali, com a sua canção de embalar, para que tudo esteja certo, para que tudo dê certo. Tudo adentra, o frio não existe, a angústia se foi, a serenidade se implanta, o presente torna-se intenso, único, autêntico.

dc


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

com outros olhos...

 

Gostaria que me visse com outros olhos, que sem temer, se aproximasse, que desse um passo, para abrir a porta do conhecimento de si. Que proporcionasse um diálogo, de olhos nos olhos, sem restrições e preconceitos. Que quisesse descobrir o que os meus olhos dizem, quem sou e o quanto posso partilhar. Até seria bem possível, que servisse de gazua para abrir a minha caixa de emoções, há muito fechada, dela trouxesse à luz do dia algo de diferente, menos comum, mas real e humano suficiente. Com erros de percurso, com vitórias reduzidas, mas de algum modo vividas e duramente conquistadas, com força capaz, para que formado o par, contribuísse para derrubar obstáculos, libertar sentimentos, surfar na alegria e na felicidade possível. Nada se conquista, sem derrubar o medo de errar, superar as incertezas e confiar nas forças que nos suportam, acreditando que todos os dias serão diferentes, com tempestade e bonança, com frio e calor, com tristeza e alegria, mas, sempre com confiança, de que juntos somos mais fortes, para superar e alimentar o amor, que o sorriso ilumina, os olhos denunciam e o beijo acalenta.

 

dc


terça-feira, 15 de agosto de 2023

Upss...


Uma da manhã, o ruído acorda-me. Em apartamentos de férias, de gente pouco abastada, as paredes são de papelão e os ruídos acontecem como se fossem dentro do nosso espaço. Ouvia-se a água a correr de um chuveiro, e todos aqueles ruídos, que alguém habitualmente faz quando toma banho. Um pouco mais tarde o ruído da escova de dentes e água do lavatório a correr…

Ela entrou, com uma blusa preta e uma saia, cor branca, a desenhar-lhe o corpo, cabelo aloirado, com madeixas de cor clara e escura, preso na zona da nuca. Olhos verde-claro, boca carnuda, orelhas com brincos simples. Educadamente, levanto-me para puxar a cadeira onde para se sentar à mesa comigo. Uma ligeira vénia surgiu de si como agradecimento. Após a conversa, plena de lugares-comuns, entrecortados com sorrisos e gargalhadas, foi evoluindo aumentando a intimidade, até terminar com um beijo, ousado que ela se permitiu sobre a minha boca. A boca húmida, deliciosa, agradável, macia como veludo, fofa, adentrando mil emoções em mim. De seguida levantou-se, pegou na pequena bolsa e sugeriu ir maquilhar-se. Muito tempo depois, não tendo regressado, fui saber da razão da sua ausência. Procurei em todo o espaço, e não a encontrei, resolvi com calma, perguntar ao empregado do restaurante se tinha visto a senhora, que estava comigo. Fiquei a saber que afinal ela tinha saído, segundo parece de forma apressada, sem, como diz a estória, tivesse deixado um pequeno adereço que me fizesse encontrá-la. Umas semanas mais tarde, quando atravessava a ponte que une as duas cidades, vejo-a correndo sobre o tabuleiro superior da ponte, com os cabelos soltos, vestindo, já não roupa de férias, mas um casaco de pele, com lã branca a sair da gola e dos punhos. Parecia perseguir algo. Um grupo de pessoas, parado no passeio, travou-lhe a marcha e após conversa agitada com mãos e braços gesticulando, retomou de novo a correria, até que mais à frente, encontrou uma multidão de pessoas que se manifestavam, que a impediu prosseguir. Enquanto isso, eu corria no seu encalço e observava tudo de longe, assim vi o seu ar desanimado, como se algo tivesse impedido de atingir o seu objectivo. Levantou os olhos, ao ver-me aproximar-me, correu na minha direcção e disse-me: não preciso correr mais! Atirou-se nos meus abraços e deixou-se aconchegar, como se tivesse encontrado o seu lugar. Olhou-me, com os seus olhos, cor de mar, cheios de lágrimas, beijou-me e disse: eras tu quem eu procurava!

O apartamento de férias, dava para um corredor exterior do lado da rua, a sua entrada, ficava no lado esquerdo e no lado oposto, no fim do corredor, ficavam as escadas de saída para rua. Ao sair para a minha caminhada matinal, vejo o perfil duma figura de mulher, a sair da porta do apartamento pegado ao meu, só via, cabelo com madeixas, saia comprida e blusa preta. Instintivamente paro. Havia algo nela que reconhecia, rodou o corpo olhou-me e o espanto tomou-me…e despertei.

 

dc