quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Mutismo

 


O Mutismo, era para si, uma morte das falas, na escrita, no pensamento criativo. Não o temor da folha em branco, mas o desencanto, a insuficiência, incapacidade de sair de dentro do próprio labirinto por si criado. O mutismo crescia de horas a fio, balançando entre o tudo e o nada, criando muros, num solilóquio entre desejos acumulados, esperando melhores dias, ou sentidos sonhos amordaçados, e pela falta de vontade, ou amorfia, de realizar. Entendia que o seu mutismo só se destravaria, quando alguém, despretensioso e livre de juízos de valor, entendesse para além do que mostrava, e colocasse o seu ouvido atento, na recolha do escutado, com respeito tumular. Caso isso não acontecesse, o mutismo se iria incrustando cada vez mais no limbo e na desnecessidade de o interromper.

 

dc

 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sem rótulos de calendário



Aparecem, em pequenas gotas, na base dos olhos, é uma reacção, de extrema sensibilidade, aos estímulos exteriores que vão chegando, elas são o reflexo do peso que a idade começa a ter, cada dia que passa. Daí, se vai fechando, fugindo do conflito, da dor que dilacera a carne por dentro, para que a fraqueza não se assuma, mesmo quando decorre em causa alheia. Foge da embriaguez do jogo envolvente. Isola-se. Não permite o contágio dos outros sobre si próprio, acumulando mais dores e sofrimento, ao que já é o seu. A sua face, é um registo bem marcado dos anos, que nem sempre tiveram os melhores dias. Puseram-lhe, um rótulo, baseado na idade, esqueceram-se dos seus desejos e vontades. Procura, manter-se à parte dos outros, sejam amigos, ou filhos, que tentam comandar seu destino, julgando-o, pela data do calendário, não pela sua capacidade física e mental, muito menos pela sua independência, alegria de viver, e resistir ao fim anunciado. Eles nem imaginam quanta capacidade, física e mental; o quanto procura, mais saber, mais conhecimento, e disponibilidade de amar, desde que seja a causa certa, a pessoa certa, no momento certo, em que as dúvidas não existam e que o passado, que não acrescenta, seja só experiência reduzida a uma marca ténue, sem afectar o presente. Deixem-me viver, é o grito silencioso, sem rótulos de calendário, ou frases feitas, perante aqueles que se sentem actualizados e jovens, porque dominam as novas tecnologias, e vivem amarrados a um objecto de comunicação, em online permanente, que os isola e deixa à margem do mundo dos humanos.


dc

 

 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

desencontrados no tempo

Talvez, desencontrados no tempo, pensa ele, enquanto a observa, uma mistura de sentimento lhe inunda o peito. Se angustia de não saber, quando aconteceu de se cruzarem e não chegarem à fala. Enquanto isso, a música, com a sua sonoridade, sublinha as imagens, que surgem em pano de fundo na sua mente, embaciadas, sem a nitidez necessária, para identificar pessoas e lugares. Ela é alguém que existe dentro de si, como destinada a fazer parte do seu percurso, como um registo ancestral, dos fazedores de destinos, Como um dejá vu, que ele busca incessantemente entender, onde surgiu e porquê. A voz, nem sempre audível, faz difícil saber se existe, e se existe, onde vive e como vive e em que lugar do planeta, ou até se sonha e o que a emociona. Ela está lá, algures, bem dentro si, como parte do cenário que as imagens difusas vão desenhando. Ela é pensamento activo, que a todo o momento se desenrola, agregando sensações várias, físicas, mentais e emocionais, que provocam sobressalto e fazem as pulsações acelerarem. As borboletas no estômago são factuais, os espasmos no peito esmagam. Sente o aguar dos seus olhos, que o faz lembrar, com tristeza, o tempo e espaço, como algo que se dissipa, sem permitir que realidade conclua e esclareça onde tudo começou. O certo, é que se instala um silêncio e um frenesim contraditório, de busca, em todos os olhares, que surgem cruzando o caminho dos dias, numa espécie de procura duma peça do puzzle, necessária para completar o propósito de estar aqui entre os mortais.

 

dc

 


quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Certezas

Cansam-me as certezas dos outros que me impedem de ter as minhas incertezas e viver com elas. Coisa tão certa, impede-me o divagar e a capacidade criativa que não se afirma pelas certezas, mas no explorar todas as coisas, incertas, sem ter de antecipar, se algum dia, poderão afirmar-se como certezas. Tenho para mim, que mesmo aquelas, que damos como certas, possivelmente num futuro próximo possam ser postas em causa. E isso que importa, se a caminhada for gratificante?
Eu também tenho dias que acordo, cheio de certezas e firme para avançar, levanto o peito, e vou em frente no que quero, subjacente à minha certeza. No entanto, umas horas depois, verifico, que nada fiz quanto às certezas, que tinha programado realizar. Afinal não sabia muito bem, se o que iria fazer, deveria ser feito, ou deveria esperar outro momento, para ter a certeza, de que faria as coisas do melhor modo. Na prática, acabo por contornar e desenvolver outras ideias e realizações, ao princípio, incertas. Daqui, eu deduzo, que somos uns troca-tintas sempre cheios de certezas, que as circunstâncias em que vivemos mostram-nos que tantas certezas podem ser um empecilho.

 

dc