domingo, 29 de novembro de 2020

Opiniões, são como os melões

 

Sinuosas, tortuosas, as mentes que sendo acomodadas na colcha da fartura, condenam, ou criticam, quem não obedece à lei da acomodação, nem quer ser pé de cama do comodismo dos outros, ou dar vantagem a quem vive sem a percepção daquilo que os outros vivem e sentem. As opiniões divergem de acordo, com o berço onde se nasce, do modo como cada se foi formando no correr dos dias, tendo em conta as circunstâncias do meio, e como alcançou os seus objectivos. Acontece que muitos sobem os degraus, com alguém pondo a mão nas costas para que não caiam ou recuem, outros sobem palmo a palmo, degrau a degrau, escorregando e caindo, sem desfalecer, para cumprir com o que se determinou conseguir, comendo a terra que o diabo amassou. Dar uma opinião sobre a fome não é a mesma coisa do que senti-la, dar opinião sobre uma doença grave e dolorosa, não significa vivê-la, quando muito se solidariza com quem sofre. Há quem tenha opinião e a defenda dentro dos princípios que invoca, com razoabilidade e conhecimento, leituras e participação na área que advoga. Há quem tenha opinião tirada de leituras “corridas”, ou de histórias sem fundamento e acha-se conhecedor suficiente de todos os factos. Infelizmente parece ser comum dar opinião, porque se acham no direito de a ter, “estamos em democracia” dizem, perante aqueles que queimaram as pestanas, ou perderam anos da sua vida, aprendendo, estudando, trabalhando arduamente. É verdade, que todos têm direito a dar a sua opinião, por intuição, emoção e o saber da experiência feita, mas também se deve pensar quando ela é só mesmo isso, opinião, por vezes desajustada, e sem sentido não contribuindo para acrescentar, mas somente procurar ganhar um ponto numa conversa, ou discussão, por vaidade, por estupidez ou inconsciência e em muitos casos de forma arrogante e ofensiva.

 

dc


sábado, 28 de novembro de 2020

Soletrar o vazio e o silêncio


Difícil foi recuperá-lo do coma amoroso e do amorfismo que se lhe seguiu. Tudo demasiado confuso para o seu cérebro, primitivo na consciência do que se passava, na dificuldade de juntar palavras ou compreender os sons das falas que em seu redor aconteciam. Faltava-lhe entendimento e capacidade de dimensionar o seu apego. Os olhos escorriam mares, nos lábios, balbuceios incoerentes repetindo sempre a mesma frase: "Foi insuficiente um amor incondicional, para quem te deixa a soletrar o vazio e o silêncio".

dc



quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Folha...

...solitária, aguardando a última sopro que a afaste da seiva, já exígua, que rega as suas veias. Suspensa, espera, seja ele ocaso, ou o amanhecer. Inevitavelmente tombará, no chão ninguém irá reparar dos tempos idos em que enfeitava com a sua beleza o nosso espaço envolvente. Será pisada por todos, uns pela necessidade de seu caminhar pelas ruas, outros pelo prazer de sentir o pisar com a sola do sapato. Nos casos mais comuns, ficará fazendo a cobertura do solo das cidades entupindo esgotos e nos campos ajudando a guardar as águas do céu e adubando as terras, para o renascer futuro. A árvore desnuda chorará a sua partida e durante um tempo de espera ficará de braços levantados pedindo ao céu o regresso de uma nova roupagem.

 

dc

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O risco sabia-lhe tão bem

Surgiu, quase do nada, exigindo atenção. Adentrou na sua vida como se dono e senhor do espaço, como se tivesse direitos conquistados, estabelecendo-se prioridade dentro do seu mundo. Para quê medir consequências? Mergulhou a fundo, quando ele veio ao seu encontro, mostrando-lhe o sorriso, a doçura da boca, manifestando o desejo sem calar a voz, marcando o ritmo das coisas, oferecendo-se, ao seu corpo há muito parado de emoções. Há muito se perdia nos seus escritos, nos rascunhos que nunca voltava a ler, nas pinturas que acabavam guardadas perdidas de outros olhares. Com ele fugia da cidade. Convidava-o a passear num dos seus lugares preferidos, onde existia um espelho de água, onde poderia ver o reflexo, do rosto que não o seu, como se um sonho os juntasse. Arriscava descobrir naqueles momentos, algo mais do que um corpo, mais do que a luz do sol, mais além da quietude das águas e dos barcos ancorados. Na esplanada da Ria, vogando no seu olhar, levava longe a imaginação, perspectivando para além do agora, enquanto o café quente e o pastel de nata não chegavam, para a celebração dum ritual, muito próprio. Rapidamente afastava as perguntas que chegavam à sua mente, temendo as respostas que poderiam afasta-la dele. Uma coisa sabia. Ele dera um safanão na sua rotina, na sua estrutura, e queria aproveitar o quanto possível, deixando-se ir, no enlevo e nas emoções, tão soterradas nos confins da memória. Avançou firme com a irracionalidade que as coisas do coração por vezes alimentam e que desde o primeiro dia dos seus encontros foram donas de si. Para quê avaliar o risco se lhe sabia tão bem? Era preferível viver intensamente um pequeno romance de que viver na paz podre à espera das certezas. Tudo o que começa, tem um fim, importante é viver e prolongar a jornada, para que o fim aconteça como um novo recomeço.

 

dc

 


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Sombras

Quando as sombras nos dominam, ninguém está perto para nos trazer a luz. Ficamos presos nos pensamentos desacertados, limitados no raciocínio e sem porta por onde fugir, ou lugar para se reencontrar. O clima emocional se desequilibra, tropeçamos nas dúvidas prementes, entre o que somos e o que não conseguimos ser. Suspensos, correndo o risco de que uma ligeira brisa nos empurre na queda, tornando-nos a massa mole que atapeta o chão e se espezinha, sendo, com sorte, adubo de um futuro, outras, prazer de quem esmaga pelo prazer de sentir o barulho crocante de um corpo de seiva já desaparecida, vampirizada pelos que, necessitados, em nós, encontraram alento.

 

 

dc