sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Nós somos os que ficamos

Nós somos os que ficamos, depois da partida, seja ela para onde for, de modo temporário ou definitivo. Aqueles que nos deixam, marcam-nos pela ausência, em eterna memória, e esta, mesmo que mitigada com o correr dos tempos, está lá sempre como risco num disco de vinil que mantém eternamente a repetição das notas musicais. Ficamos com o que nos deixaram por esclarecer e resolver, com os traços que faziam o desenho do seu espaço de estar, com o reflexo das suas atitudes, com o que produziram ou ficou inacabado. Ficamos com a tarefa de buscar entendimento, para toda a confusão que restou após a ida. Doamos aquilo que nos incomoda, pagamos o que não devíamos, percebemos que afinal que era um alguém que nos amarrou à sua vida e nos deixa a responsabilidade de gerir as falhas, para que a imagem se mantenha de algum modo limpa. Nós ficamos e nem sempre da melhor maneira. A sua ida facilitou a resolução das suas preocupações, legou a terceiros a resolução dos compromissos que assumiu sem imaginar, a forma mais adequada de deixar aos outros as boas memórias de si. Somos nós os que ficamos, que esquecemos tudo o que de menos bom existiu e agarrámo-nos às emoções e às coisas positivas, que a triagem da nossa memória faz realçar, enquanto se vão diluindo os traços mais grotescos.


dc


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A coisificação da data

Venderam os nossos enamoramentos, fizeram deles, um dia de celebração comercial, passaram a ser representados por chocolates, flores, vasos com plantas, perfumes de qualidade, relógios com corações, roupas íntimas com rendas de cores especiais e muitas outras sugestões num mundo objectificado das nossas emoções e sensibilidades. Tentam tudo, para que se faça a troca de “coisas” e pirosices, especificadas pela razão de marketing, ou pela comercialização, que são deitadas mais cedo, do que tarde no caixote do lixo, ou arrumadas para um baú de perdidos escondido no barracão do quintal. Isto junto com a data escolhida, de 14 de Fevereiro, que apela a uma celebração infeliz, pois segundo reza a história, foi o dia que o Padre Valentim foi decapitado há cerca de 1750 anos. Subjacente a isto há efectivamente uma estória de amor, mas um amor manifestado, em palavras e vontades, em emoções e milagres, em sentimentos vividos e intensos entre dois seres humanos. A coisificação desta data, atira-nos para a geração de indivíduos, que assistindo ao desastre, não se preocupam com as vítimas e o seu socorro mas com a rapidez da selfie e o seu envio para os milhares de amigos virtuais, manifestando o espectáculo perdendo-se da dor de quem sofre. Tudo materializado “na coisa”, que ninguém sabe o que é, e que nos dias de hoje se vulgariza pela frase:  é um amor, “tipo” assim..
Continuo a dizer, namorar é bom e eu gosto, acima de tudo regado da generosidade e frescura deliciosa das novidades e emoções que a sua vivência nos traz.

dc

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Tal qual...


.... marionetas, presos nas teias globalistas, vamos sendo varridos por indiferenças várias, dos muitos que se ficam no comodismo da sobrevivência, bufando, denunciando, preferindo viver macaqueados, de açaime e espaço restrito. Como se os pássaros gostassem de viver em gaiolas e não trocassem um dia de liberdade por anos de prisão. Se o ar fosse causa de morte, de que valia a pena sobreviver, com escafandro permanente, de que valia morrer de tédio no isolamento de quatro paredes, na ausência do abraço fraterno, do amor? Na verdade, tudo isto, não é algo que tenhamos procurado, mas a satisfação da vontade e ambição de alguns “homens”, mexendo na natureza das coisas que deveriam estar quietas, para se apoderarem  dos bens da terra e dos viventes. A terra sempre responde ao descuido humano protegendo-se das agressões reagindo com força dos elementos arrasando tudo e todos. Os viventes, a quem lhe sacam o sangue e a liberdade, a resposta pode ser tardia, mas surgirá com a violência inesperada, cúmulo de fúria de quem se liberta das teias e emaranhados ramos que as tentam manietar. Nada será como dantes, mas fica o aviso, ou acordamos, perecendo alguns, para que muitos sobrevivam com dignidade, ou nos transformaremos em lixo tóxico de qual todos terão nojo de cheirar e pertencer.

dc