terça-feira, 31 de julho de 2012

OS HOMENS E MULHERES DE AMANHÃ


O sol encoberto o vento gelado e um sonho desfeito na cabeça do miúdo(?). Há mais de três dias a pensar no dia de praia, que iríamos passar. Quem podia conjecturar tal, depois de no dia anterior ter estado um dia de sol e boa temperatura?

De véspera, foi uma azafama. Preparar a mochila com a toalha, fato de banho, protector, as bolachas, os indispensáveis balde regador e pá para construir castelos, outras coisas que lhe apeteçam.

Dormir foi um repente, logo bem cedo acordado sem precisar de aviso, e aí está ele preparando-se activamente, até que chegue a hora de o ir buscar. Já sabe que o céu ameaça borrasca, mas ele não desiste e diz: “ Vô leva-me na mesma à praia”.

Quando o fui buscar, entrou no carro, ouvindo os vários conselhos da avó paterna, para que tivesse cuidado, que o melhor seria não forçar o avô a ir para a praia, porque apanhavam muito frio.

Todo pimpão, sentado na sua cadeira, foi dizendo o que lhe apeteceu sempre tecendo comentários que levassem a decidir que a praia era o destino. Nem aliciá-lo com um ida ao centro comercial, o fazia mudar de ideias. Perante tal insistência lá fui eu para a praia. Não sem antes tomar o meu pequeno almoço e ele um bolo de chocolate.

A praia estava praticamente deserta estariam se muito uma dúzia de pessoas, umas escolhendo lugares perto dos rochedos, e uns outros montando tenda. A maioria com casacos vestidos ou enrolados em toalhas.

Tentei de demove-lo de sair do carro, mas foi tempo perdido. A solução foi convencê-lo irmos passeando no trilho junto ao areal para nos habituarmos à temperatura.
Por muito que lhe dissesse que estava frio nada adiantava, todo mexido ia apanhando pequenas flores amarelas, “ as mais bonitas do mundo”, casaco vestido e não desistia.

Acabamos por ir para a areia, tantas foram as soluções que ele apresentava para todas as questões que lhe colocava que desisti. A persistência dele acabou por vencer.

Para não ficar gelado, lá me mobilizei, a mim e a ele para simularmos ter uma plantação que precisava de ser regada e daí teríamos depois de ir ao mar, etc. etc., foi uma alegria até saltou. Mas...

..aqui deu-se a novidade que deixou assustado, o rapazinho a tudo dizia que sim, e ajudava sempre a fazer o que já estava feito, ou então dava ordens: - Oh vô, vai buscar água! Quando simulei as plantas usando penas de gaivota, ou quando fiz uma cerca com cascas de mexilhão, ele continuava atento ao meu trabalho e dizia – Oh vô vamos buscar mais!. O safado via os objectos no chão: “ Oh Vô olha ali, apanha!”, “ Oh Vô vai buscar mais água!.

Ao fim de algum tempo já com a “plantação” feita, pus-me a raciocinar, sobre o assunto e deduzi, de mim para mim...” Esta ganapada só sabe mandar e quer tudo feito, ao seu jeito e sem trabalho, exigem...Onde e como aprendem eles a quererem que os outros sejam seus servidores, onde aprendem a mandar?”. Os avós, por vezes para terem a sua atenção, facilitam um pouco sendo permissivos e fazem mais do que deviam, mas neste caso, não era assim ele já vinha com a “escola toda”, e eu não era muito dado a facilidades.
Pensando bem no assunto decidi mudar a atitude e fiz-lhe sentir isso. A partir daí tudo mudou, comecei eu a ditar as regras, e como tal sua excelência mudou logo o seu “aspecto” ficando silencioso, e de cara fechada, até ao momento de voltarmos para casa. Não me consumi muito com o assunto, e já dentro do carro para o provocar lhe perguntei:
– Que se passa estás mal disposto?
– Sim estou!
– E porquê? – pergunto eu
– Não sei. Com ar enfastiado
– Não sabes? Se calhar foi de irmos à praia e apanhares frio.

Riu-se com sorriso aberto e começou a ouvir “o areias é um camelo”, com um sorriso malandro. Ele percebeu de imediato que a má disposição podia ter inconvenientes futuros, ou seja não ir tão cedo à praia, como tal era melhor mudar.

De facto estes miúdos parece que nascem com “muito andamento”. Não sei se é dos infantários ou do modo como os pais os educam, na verdade têm sempre resposta na ponta da língua, e estão mais treinados a ver e a mandar fazer do que fazerem eles próprios.

Nós os avós é que estamos tramados, porque nem sempre estamos com eles e como tal não podemos ser muito severos, se não eles “piram-se”. Perante isto temos de usar toda a experiência e manha para que eles não fujam do nosso convívio e possam aprender algo diferente do que aprendem com os pais e os amigos. Todo o cuidado e pouco, sem deixar que abram muito as asas, se não, quando crescerem, ainda nos fazem como aquele outro, que deu uma sova no avó porque não lhe deu o carro que ele queria.

Quanto a nós avós cá vamos continuando a tudo fazermos para beber da sua presença nas nossas vidas, dando-lhes mimo e vivências diferentes, sem perder do horizonte que eles serão os homens e mulheres do futuro, e como tal devemos contribuir para a sua formação como tal.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

SUAVE SOL QUE ME AQUECE

Suave sol que me aquece
Belo o sorriso que me enternece

Belo o rosto e seu olhar
Suave e doce o seu amar

Rosto que amanhece
Para me encantar

Sorriso que enternece o meu amar
E aquece o brilho do seu olhar

DC
http://www.youtube.com/watch?v=TZJt_pDR7wo&feature=plcp

domingo, 29 de julho de 2012

PELA MADRUGADA


...a noite não assusta. o silêncio deixa-nos o martelar do sangue nos ouvidos como companhia. a mente trabalha constantemente procurando não se fixar em nada, para que se não repita o cheiro da ausência, para que tudo se vá fluindo. sem carneiros para contar. não deixar que os sonhos surjam acordado, e lhe tirem o descanso. não pensar nas coisas que ficaram por dizer. abafar os restos de memórias que ainda não se apagaram. é urgente lançá-las da ponte imaginária, para o rio sem nome, onde tudo desaparece na foz de coisa nenhuma.

... a madrugada chegou sem que o sono surgisse. talvez a mudança do tempo, o frio, ou a humidade da noite estivesse na sua razão. na verdade a pele molhada de gotas de suor, dizia o contrário. o corpo gelado ressuava com o calor da noite. afinal não era a mudança do tempo, mas a mudança da alma, era o gelo que ficara mumificando para que não transbordassem os sentimentos, para deixar sim, que o relógio do tempo, fosse decorrendo lentamente, para que a cicatrização se fizesse, cuidadosa, para que as marcas se atenuassem, para que as dores da cura se tornassem invisíveis. No futuro só ficaria uma ligeira diferença de tonalidade que se confundiria na vulgaridade dos dias.

... o dia aproxima-se a passos largos entrando pelas frestas das persianas que de forma descuidada não ficaram devidamente cerradas. com ele desaparecem os fantasmas e ocorrem as rotinas de todos os amanheceres. da noite ficou a cama desfeita, a mancha húmida com o desenho do corpo e a almofada outrora preenchida. DC



sábado, 28 de julho de 2012

EM MIL IMAGENS


Em mil imagens a fixei
na busca do que procurava.

Na verdade aquilo que eu sei
Aquilo que tanto desejava
Não foi o que encontrei.

Fui do geral ao pormenor
tudo apanhando a cada momento
Com chuva sol ou vento
procurando o seu melhor
Fosse o cabelo, o rosto, os olhos
ou corpo em movimento.
Não encontrei tal sentimento.

Seu narciso pensamento
encontra no espelho o meu olhar
e nele todo o tormento reflectido
dum sonho pretendido
ainda por realizar

Na verdade um dia
por momentos aconteceu
Nos seus olhos o brilho se acentuou
a ternura brotou
e toda se elanguesceu
Ficando no ar promessas
que a imagem fixou às avessas

Na verdade tudo isso teria sentido
se ali se cumprisse a premissa
Que são precisos dois
para um par formar
juntos no mesmo dançar

DC

UM DIA NUM JARDIM



Um dia num jardim
Vi um casal a se beijar
e de repente ela fugir
sem a cabeça rodar

E a rima assim surgiu.

Tens medo da paixão
Tens medo de te entregar
Será melhor o tempo passar
a perderes o teu chão
ou deixar seguir o coração

Travas os sentidos
Desprezas as palavras
Nos teus ouvidos
Segregadas
Por outras menos ajustadas

Tu que saltas e danças
Ris com alegria
Tu que vives tudo num dia
Que adoras a cantoria
Tu que usas a voz das crianças
tens medo de criar esperanças

Tens medo de viver
a novidade acontecer
na realidade dos dias
ou será de aprender
e ter outro tipo de alegrias

Porque não soltas a alma
e vais pela tarde calma
e voltas ao mesmo jardim
Onde tiveste a serenidade
de um beijo de alecrim

DC

sexta-feira, 27 de julho de 2012

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER


Mulher como se pode aceitar
na vida, quem nos massacra
fazendo do seu amar
a nossa via sacra.

Como podes amar
alguém que teu rosto marcou
Como podes aceitar
quem na violência
teu corpo tomou

Dizes ser ele teu homem
perdoando-lhe o seu pecado
e as dores que te consomem
no teu corpo marcado.

Dia à dia te enxovalha
na violência com que te toca
Umas vezes a razão é o trabalho
outras a vida que o sufoca

Sejam quais forem as razões
com que ele se vitimiza
Sempre arranjando explicações
Na verdade na violência se exercita
marcando teu corpo
com as suas humilhações


Amor em raiva e ódio alimentado
não existe em nenhum lado
Os seus actos ou justificações
são de um ser perturbado
que te mata as ilusões

Mereces ternura, aconchego
Mereces mudar esse teu fado
Foge desse pretenso amor
que viola teu corpo te causa dor
e deixa teu coração amargurado.
Vive e ama quem te merecer
Vive a liberdade de rires como te aprouver
Vive a liberdade para não perecer
nas mãos de um qualquer
Vive liberdade de seres mulher

DC

quinta-feira, 26 de julho de 2012

TIRASTE-ME AS PALAVRAS



Tiraste-me as palavras
Agora não sei falar
desse sentimento
que os poetas gostam de cantar.
Não sei dizer
se as palavras me levaste
e com elas o prazer
de um dia com ele te conquistar,
ou se me roubaste
a alegria que engrandece o seu rimar

Sem elas e o que significam
não se revela o melhor de nós.
Ficamos sem norte,
sem saber explicar a dor da morte
e o que sentem amantes pais e avós

Gozar com as palavras
só para com elas rimar,
não é praia do poeta,
é o jogo perigoso e obscuro
de um qualquer pateta.

Se alguém usa as palavras
que expressam sentir tão profundo
de forma tão leviana.
não passa de um ser sacana
não deve existir neste mundo

DC


quarta-feira, 25 de julho de 2012

UMA ESTÓRIA DE BOIS E VACAS


Nesta estória de silêncios que frequento, vou divagando e pensando em coisas que não lembra o diabo, como aquele aforismo (argumento dos idiotas) popular que diz algo parecido com isto: “casal sem cornos é como um jardim sem flores", que eu julgo ter a ver com os bois e as vacas.

Esta afirmação fez-me projectar para a estória dos bois e as vacas e muitos outros animais, que já nascem com cornos e gozam da erva. E que têm personalidades e “estar social”, que vale a pena realçar.
São livres não ficam corados quando mentem e nunca olham nos olhos.

São afáveis e mostram sempre a sua admiração, mummmm mummmm um pelo outro, sem grandes discussões ou argumentos.


Não são envergonhados, são até um pouco exibicionista pois não têm vergonha de fazer sexo em público.


Fazem amor à canzana sem preconceitos, e só não dão beijos para não ficarem de línguas enroladas.


São muito simpáticos um para o outro, marram, e marram bem. No entanto, por vezes o façam, para porem na linha um macho atrevido que aparece fora de tempo, ou na fêmea quando abusa da liberdade de andar de cornos ao alto.


Embora em algumas raças, as vacas tirem os cornos bem cedo para não se incomodarem umas às outras quando em casa, ou quando saem as compras no meio das pastagens e para não ficarem com complexos desde pequeninas.

As vacas andam sempre umas com as outras, a não ser quando comem ou são comidas.
São uma ternura, aqueles olhos de bovino, parados, as orelhas a mexer tipo ventoinha para afastar as incomodas moscas. Tem um traseiro cinco estrelas. com um rabinho todo mexido sempre que sentem algo a roçar-lhes o pelo.
Os bois também tem o seu ar interessante, normalmente não lhe cortam os cornos, machos que são, gostam de assumir os enfeites. Alguns são bravos, e é entendível com um peso nos cornos daquele tamanho deve custar um pouco, embora se conste que são muito liberais. Ultimamente andam preocupados pois as vacas andam meias loucas e não sabem o que lhes fazer.

E aos bois não há medicamento que chegue, desde que se lhes meteu na cabeça que são de sangue azul.

Ainda há dias a AAPVBT*, teve de aprender tudo o que havia no talho porque as vacas presentes estavam todas loucas. Tudo isto em tal alvoroço que estragava a meditação e tornava meu silêncio em vão.

DC

AAPVBT*- Alta Autoridade Para Vacas e Bois Tresmalhados

terça-feira, 24 de julho de 2012

SILÊNCIO INTERIOR



Como explicar o mundo que se gera dentro de nós quando estamos horas em silêncio? Vemos o mundo que gira e vive fora de nós como num filme em câmara lenta. Pensamos em tudo sem que aqueles que nos rodeiam se apercebam, ou sintam as nossas vibrações.

Por vezes penso será o mundo de silêncio dos surdos? Como viverão eles o dia à dia, sem os ruídos, que o nosso silêncio não tira? Nós temos mais propriamente mutismo. silêncio porque estamos calados. Silêncio, porque estamos atentos precisamente ao que ouvimos fora e dentro do nosso cérebro.

Há quem diga que o silêncio “fala”, substitui a resposta que se não quer dar. Se assim for não é silêncio, pois comunica-se algo nesse silêncio. O silêncio, silêncio a que me refiro, é aquele que não pretende falar, mas que é vivido por dentro de nós, e não existe som mas pensamento.

Sentimos um silêncio dentro de um outro silêncio do qual tememos o caminho para onde nos leva.

Só e silêncio, duas formas de estar perante o universo que nos rodeia, tentando a todo o momento passar para o outro lado desconhecido, que gera os sonhos e nos leva para uma outra dimensão, que não sabemos se avançada ou atrasada em relação ao presente. Navegamos sem mapa nem bússola de uns temas para os outros em nanossegundos. Sem nos fixarmos muito tempo num único assunto, vamos entrando numa espécie de transe.

Os ruídos são perfeitamente distintos entre si, como se uma orquestra com os seus diversos instrumentos produzisse uma sinfonia dentro da nossa cabeça. Um pássaro, o ruído de fundo da estrada, o barulho das pessoas nas escadas, conversas distantes das quais não estamos interessados, gritos e choro de criança, o frigorifico e o seu ronronar. se fecharmos os olhos quase sentimos o sangue a circular no corpo.


“ Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. ” Antoine Lavoisier

Assim é o nosso viver, seja ele de silêncios e emoções. A alegria de ontem a tristeza de hoje, a miséria de uns enriquece outros. O cérebro não pára o clique é constante, Sim a temperatura está agradável... não sei para que escrevo isto. se calhar ninguém está interessado no silêncio, ou no que eu penso sobre o silêncio... será que pensamos bem nos outros, nas nossas atitudes... quem são os outros que não tenho na equação...os amigos..sim existem.. embora distantes e nem sempre disponíveis... pois sim, mal me conhecia e julgava-me...será que conhecia...saudade, gostar...amar?... porque será que o António se pega comigo, serei eu o ranhoso o chato, se calhar sou...tenho de me corrigir...é bom por vezes não ouvir as mesmas pessoas...ah como é difícil conviver...conviver não é difícil a sociedade é que nos lixa..sim torna-nos egoístas a todos... um pouco.. olhamos mais para nós próprios...porque será que somos tão impacientes e não temos tempo para os outros???... a vida precisa do dinheiro como diz o outro “ o dinheiro não trás a felicidade mas ajuda”...a merda deste governo que nos deixa sem dinheiro.. lixa-nos a vida...os cabrões dos bancos é que se safam...tem de haver outra revolução....pois.. como será o silêncio dos outros, será igual ao meu, ou mais confuso, e será que têm estes momentos de silêncio... bem tenho de preparar o almoço...chiça sempre a mesma merda de rotina... e comer ouvindo na nossa cabeça o ruído dos talheres batendo, a boca mastigando e o vinho a ser sorvido, o cheiro dos alimentos.. quando comemos acompanhados não nos apercebemos...sim está cada vez mais complicado viver do salário..ou da reforma.. quando for ao médico terei de lhe dizer que falo de mim para mim, em silêncio... será que vai pensar que estou doido...estarei?... já nem sei...é tudo tão estranho...

Nesta rotina cerebral do silêncio, julgamos somos julgados, apreciamos analisamos e vivemos tudo e registamos num grande rolo de papel higiénico onde assentamos tudo e não sabemos se vai ter o mesmo fim para o qual o papel foi criado.

Será, que na manutenção do silêncio interior, conseguimos mudar e fazer discursos variados conforme o dia e a disposição ao acordar, ou fazemo-lo como necessidade de ir limpando sistematicamente todos os últimos pensamentos, como se de uma catarse intencional? Tudo fica registado no disco rígido do nosso computador cerebral, máquina infernal que deixa de fora tudo o que o incomoda sempre que é preciso, quando não acontece é grave pode resultar em loucura.

Este silêncio será um pouco como uma regressão, com visitas constantes aos diferentes momentos do dia, como pode ser ao nosso passado. Sim porque se herdamos dos nosso pais morfologias genéticas, o nosso cérebro também deve fazer o mesmo. O computador cerebral deve ter também o registo do passado de nossos avós, bisavós e por aí a diante. Daí dizerem que o nosso cérebro quando hipnotizado, ou em determinadas situações se “relembra”. Este assunto das regressões é divertido, porque a nossa cabecinha deve trazer à tona coisas do caraças. De certeza que não fomos nós que vivemos nesse tal outro tempo, mas sempre acredito que o registo no nosso cérebro traga ao de cima as tais memórias dos nossos antepassados. Às vezes até se diz: “Pareces o teu avô...”. Claro... lá está o meu silêncio a pregar-me partidas...a trazer-me ao caminho pensamentos perigosos.

Às vezes somos tal mal interpretados, é melhor de facto fechar a boca e deixar que os outros digam o que lhes vai na real veneta, enquanto nós, ficamos no nosso cantinho de silêncio esperando que tudo passe.

Nunca tinha pensado o silêncio desta forma. Será mesmo o silêncio ou a solidão? Dizem que a solidão por vezes funciona de modo positivo, para termos tempo de pensar nas asneiras, nas coisas boas que fizemos, dos passos que demos e os que podíamos ter dado. No fim meditar, não fixar o pensamento e olhar para o invisível, ou fechar os olhos e deixarmo-nos ir. Não, deixarmo-nos ir é perigoso, nunca sabemos o que iremos descobrir, o melhor é não chegar aí. O nosso cérebro avisa-nos, torna a respiração ofegante de repente e fugimos desse outro lado para onde nos sentimos ser arrastados.

Neste silêncio retiro, onde no meio dos outros, se está só, é-nos permitido ficar mais cientes de nós e encontrar as respostas que no mundo ruidoso que nos rodeia são difíceis de encontrar. Nem sempre, nem nunca, mas de vez em quando é necessário, a bem da nossa estabilidade física e mental.

DC

segunda-feira, 23 de julho de 2012

NA PRAIA COM MEU NETO


Hoje fui à praia com o meu neto e deliciei-me. A forma como me apareceu vestido de calções e t-shirt, boné na cabeça na cabeça, mochila às costas, preparadíssimo para ir para a praia, deixou-me de olhos brilhantes tal era a sua felicidade.
Na viagem, dentro do carro, começou a falar do tempo dizendo que o “dia tinha o sol bom”, que havia “outros de vento que num apetecia a praia”.

Chegamos, o estacionamento da praia estava cheio, manifestei em voz alta o meu temor de ter lugar para o carro, Ele dizia, “é temos de ter”. Encontramos um espaço já no extremo do parque e ele todo vibrante dizia, “vês vô eu disse, eu disse que arranjavas lugar”.

Em plena praia ao colocar-lhe o protector solar em spray, dizia-lhe para fechar os olhos, que ele fechava com força e depois perguntava “já posso abrir, já vô?”.
Depois foi um fartote de brincadeira, fugindo das ondas, rindo de satisfação com os baldes de água salgada – brrr fria — pela cabeça abaixo, a seu pedido, o gozo de encostar as mãos frias ao meu corpo. As suas mãos infantis enterrando-se na areia, agarrando-a atirando-a ao mar. Os seus gritos de alegria a correr para se molhar, vindo atrás de mim para me molhar atraiam o olhar das pessoas que sorriam com a sua alegria e que me deixava completamente “babado”, tal era comunhão entre nós.

Já na toalha os seus olhitos piscando pelo incómodo do sol, a mastigar bolachas, tinha um sorriso malandro ao questionar-me sobre as minhas preferências, para ele poder ficar com as que tinham mais açúcar, de vez em quando bebia um golo de água da garrafa, enquanto isso, eu olhava-o pensando como ele assumia entre nós uma atitude compincha e partilha.

Não pudemos regressar a casa sem que fossemos primeiro ao “nosso” Jardim das Sete Bicas comer um “geladinho” que ele fazia questão de saborear, ficando no final, como qualquer criança, com gelado espalhado por tudo o que é cara e mãos, acabando tudo no lavatóriO com muita água.

Foram duas horas de pleno gozo emocional. Determinando em mim a necessidade de manter vivo e activo, para aproveitar o mais que puder o desfrute de tais momentos e se possível deixar-lhe as melhores memórias para quando definitivamente ausente.

Mal saberá ele a satisfação que me dá sempre que pronuncia aquele “Vô?”

22JUL2012

O MEU ESCRIFALAR



Muito do que escrevi, escrevo ou escreverei tem rastos de vida, tem pele esfolada e ardência que causa dor.
Tudo o que os outros, de igual modo, escrevem para que eu leia, contribuem para o design do percurso das minhas palavras. 
Não há deste meu lado, a pretensão da linguagem e capacidade daquele que é escritor, somente escrifalar, do muito que a sensibilidade e observação sugerem, e, talvez pôr em palavras aquilo que por vezes a timidez ou outras razões nos impedem de fazê-lo de outra forma. 
De qualquer modo escritafar, seja de sonhos, cicatrizes, risos ou tristeza será sempre um modo saudável de catarse da alma e terá sempre o ADN de quem o faz.

domingo, 22 de julho de 2012

ODEIO ADJECTIVOS




Do meu amigo aqui transcrevo e assino por baixo.
A sua bem humorada explicação serve para que muitas pessoas aprendam um pouco de português e a estarem atentas aos dislates que por aí dizem. Aqui vai.


Odeio os adjectivos

Tenho um amigo que não perde um debate na Assembleia da República ou uma audição numa qualquer Comissão Parlamentar.

Diz-me que se enerva neste jogo sujo das direitas contra as esquerdas, mas que de tanto matutar no que vê e ouve, arranja ao fim de algum tempo uma melhor resposta ao que o enervou. De treino em treino, apurou um sentido crítico, não raras vezes bem humora- das. Adepto do Eça de Queiroz(quem não é) e das suas “Farpas”, que lê repetidamente e cita á exaustão, diz que se estivesse na A.R. usaria o humor mortífero para cilindrar o adversário. Quando na conversa concordei que uma boa laracha liquida mais que um argumento ideológico ou um juízo macro-económico qualquer, retorquiu-me que só não o fazem por falta de cultura.

Dei-lhe toda a razão.

Saber dirimir sintacticamente torna-se uma arma terrível na mão de alguém de cultura, como se torna uma arma assassina do próprio, se a massa cinzenta de que dispõe for de segunda escolha.

Veja-se António José Seguro a responder aos jornalistas sobre a posição do PS no voto a dar sobre o O.E. :

- Abstenção Violenta.

Como é de calcular entrou de imediato para o anedotário nacional.

Ao adjectivar a abstenção Seguro julgava dar uma imagem reforçada da posição do PS.

Se soubesse um pouco mais da língua que tão mal fala saberia que o adjectivo, traz sempre água na bico ou seja é para disfarçar uma mentirita.

Exemplos:

Democracia liberal; Democracia financeira; Democracia ocidental; Democracia muscu- lada etc pois estaria aqui até amanhã a adjectivar a desgraçada da Democracia.

Democracia defini-se por ela própria; se adjectivada deixa de o ser. E ainda por cima esconde uma aldrabice.

Adjectivar não é aditivar, é travestir a mentira para que os mais incultos ou lorpas sejam levados á pincha.

RVJ

INTIMIDADE



"Hoje declarei em casa de uns amigos que a maior prova de amor que um poeta pode dar a uma mulher é a sua intimidade. Escrever versos diante dela é qualquer coisa como parir com um Cristo à cabeceira da cama."

Miguel Torga
Fonte - Diário (1936) Tema - Poeta

sábado, 21 de julho de 2012

LEMBRA DE MIM - Ivan Lins

Um dia as palavras foram ditas e não tiveram eco do teu sentir,

Lembra que foi ele que te deu a mão no correr das ruas. Que te passeou na lonjura do rio, te confortou no areal do mar.

Lembra a sua voz, que na distância foi conforto, e te acompanhava no caminho em que fugias do silêncio.

Fica-te com a memória do acordar, das suas carícias na tua pele, e do afagar de teus cabelos, que nunca retribuíste.

Saboreia o cheiro das árvores no jardim em que foste a flor mais apreciada.

Agarra nas imagens roubadas no melhor de ti e olha-as pensando no que nunca destes, mas em ti foi buscado.

Se depois disso tudo ainda não souberes como se constrói o amor, então terás de reciclar o teu mundo porque não sabes dar-lhe o valor.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A "ESTÓRIA" DO MACACO


Um noite, cerca das duas horas da madrugada, um individuo que viajava de carro, por uma estrada escura e deserta no interior do país, de repente, sentiu um desequilíbrio no carro. Saiu e viu que tinha um pneu furado. Quando se preparava para o mudar verificou que não tinha macaco para o fazer. Olhou em redor preocupado e viu ao longe uma luz que lhe parecia ser de uma casa. E a ela se dirigiu esperançado.

Como a distância era grande, ele foi pensando na forma como iria pedir aos habitantes da casa o macaco para mudar o pneu. E então começou a pensar como se devia fazer o pedido:

- Olhe o senhor desculpe o adiantado da hora, mas tive um furo e estou sem macaco para mudar o pneu o sr. Podia-me emprestar... O gajo vai ficar f...do a estas horas da noite, pensava ele. Imagina se ele está com a mulher enfim... que se lixe eu tenho mesmo que lá ir. Talvez deva mudar o discurso.

- Olhe eu sei que é muito desagradável acordar alguém a esta hora da noite, mas sabe aconteceu-me um imprevisto.... e se o gajo me manda àquela parte e não me empresta?

Assim foi o condutor se aproximando da casa e conjecturando como faria o seu pedido e matutando como seria a resposta, que para ele iria sendo cada vez mais desagradável.

Quando chegou perto de onde vinha a luz verificou que afinal era um casarão enorme e sumptuoso. Preocupado e já consumido pelas especulações ao longo do caminho, aproximou-se e tocou à campainha da porta, Entretanto na sua cabeça só lhe vinham imagens desagradáveis de como os donos o iriam receber.

De repente acende uma luz e abre-se um janela onde parece um individuo que em voz ensonada lhe pergunta:

- O que é que pretende...

O condutor furioso vira-se a cabeça em direcção à janela e diz-lhe. Não é preciso nada vá-se lixar vá pra ò car...meta o macaco no cú.

(anedota retirada da internet)
Esta estória anedótica, é um bom exemplo do que diz o povo “ Lançou os foguetes, apanhou as canas e fez a festa”.

Muitas pessoas especulam tanto em relação ao que os outros pensam, ou aos seus comportamentos, que acabam por mostrar de si próprios aquilo que aos outros atribuem, ou seja, vira-se o “feitiço contra o feiticeiro”.

"A talho de foice" duas quadro do António Aleixo:

Sei que pareço um ladrão
Mas há muitos que eu conheço,
Que, não parecendo o que são,
São aquilo que eu pareço.

Veste bem já reparaste
Mas ele próprio ignora
Que por dentro é um contraste
Com o que mostra por fora.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A QUEDA ERA UM SONHO


Saltei voando do parapeito da janela do meu mundo
E senti o vento esmagando a pele, o ar forçado no peito

O pássaro passou por mim rindo a preceito
sabendo que meu corpo morria de qualquer jeito

Na surpresa inesperada de um lugar amortecido
A queda era um sonho no acordar desaparecido

De olhos bem abertos para acreditar na luz do dia
O meu sonho se interrompia e meu voo era agora de alegria

terça-feira, 17 de julho de 2012

VAZIO E SILÊNCIO

Por vezes o silêncio é uma resposta
Por vezes é coisa nenhuma
E outras falta do que dizer
Ao certo não há evidência alguma
Se o silêncio tem razão de ser

Nele a mente encontra o vazio
Fixa-lhe o olhar na distância infinita
Enquanto dentro de si prevalece o frio
Duma alma inquieta que não grita
Nem encontra razões da sua desdita

Voará se o deixarem para terras do além
Sem procurar se a verdade está mais perto
ou se longe na aridez do deserto
Talvez sejam fantasmas e não haja ninguém
Nesse silêncio do mundo que a sua alma tem

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O AMOR NÃO ESCOLHE ENCONTRA-NOS(?)



Entre risos e conversas longas, loucas, muito ficou por dizer
Quando na margem caminhavam com o sol e o vento a doer

Palpites e ditos jocosos sobre os sentimentos
Sem ter verdade de raiz, brincando sobre momentos

A cada passo sugerindo outro escrever e pensar
Como se na vida ninguém gostasse da palavra amar

Águas na correnteza em testemunho de alegria
Fixaram a sua beleza sobre a paisagem que surgia

Foi-se lentamente a força do dia e o sol se pousava
E a serenidade parecia restar naquele dia que acabava.

Na verdade restaram as imagens em suporte digital
Memórias de vida em tempo real.


UM OUTRO PORTO


Testemunho de um dia em que a fotografia falou.
Numa tarde de sol em que a gargalhada da boca se soltou
Em outras imagens colhidas muita coisa se viveu
Ruas esconsas que há muito o portuense esqueceu
O registo existe em suporte digital como diz a lógica
Porque pouca gente usa máquina analógica.

A rima aconteceu como a imagem surgiu
De um lugar inesperado que só o fotografo viu

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O PRINCÍPIO ILUDE-NOS, O FIM MATA-NOS

É tal o frio que se instala depois do partida, que nos deixa o corpo enregelado e as mãos paralisadas e a voz sem timbre. Durante um tempo estamos anestesiados, não deixando que nada do exterior nos perturbe, agarrados à aquele sentimento de perda.

Vamos ficando mumificados, o invólucro intacto e o interior sem nada, sem os sinais vitais perceptíveis.

Enrolamo-nos em palavras pensamentos e actos, que foram, poderiam ter sido, e do presente nada. Nada fica, só o frio que nos afasta dos outros, que faz de nós papagaios repetitivos sempre que forçados a manifestar algo sobre alguém ou alguma coisa. E vamos secando, sem respostas para nada e muito menos para nós próprios. Perdemos o GPS, e ficamos embaraçados no meio do nada. Levantamo-nos e nada acontece que não seja a trivial rotina de sobrevivência física. Os pensamentos, as palavras o raciocínio são limitados, tudo deixa de fazer sentido.

A dado momento questionamo-nos, bem para dentro, bem fundo de nós próprios, bem para o nosso existir e concluímos, que se há partidas, se nos gelamos, se não vivemos, é porque não somos quem somos, mas alguém que desconhecemos. Aí, ficamos num silêncio, se se pode chamar, mais profundo, investigando, emudecendo, somente olhando, ou melhor, observando como se todos os seres humanos fossem borboletas, em volta das flores coloridas de um jardim. Não nos encontramos ali, vemos por fora, como se em câmara lenta, como se estivéssemos numa situação quase morte, vendo luzes, caindo num vazio infindável tenso que nos despoja da pele.

Amanhece todos os dias e todos os dias se faz noite. O princípio ilude-nos o fim mata-nos. No meio nada existe. As frases optimistas e belas que lemos, nos enviam, se dizem, só falam do que desejam, mas não do que nós somos capazes de ter, fazer, desejar.

Os conselhos, os erros, a auto critica, tudo isso neste momento é letra morta.
Pensar... nem pensar, o melhor é a mudez, circular nos espaços, penetrar no pensamento de um qualquer escritor. Produzir comida, se não o corpo vai-se e o cheiro empesta. Tomar banho para iludir a pele, passarmos os dedos pelo cabelo para que o pente não nos deixe demasiado alinhados, em contra ponto com o que dentro de nós se faz sentir. A roupa despe-nos do que somos e engana qualquer um.

Conhecem-nos pelo desenho que nos atribui o sexo e pela aparência do que somos. Para voltarmos ao mundo dos vivos, teremos de ver rever sucessivamente o filme, da frente para trás, de trás para frente, perdendo de cada vez que o fazemos um pedaço do que não interessa, até ficar somente a sinopse da sua origem. Um catarse lenta que nos vai adoçando, limpando, até ficarmos novamente prontos para o ressurgimento.

Serão assim os dias, até que um dia a morte nos separe. O Eu que aparenta, e o eu que somos na realidade das nossas emoções.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

JARDIM DA CORDOARIA

O Jardim de João das Chagas, mais conhecido como da Cordoaria, e também de Romântico, ficou “vazio” e completamente descaracterizado pela intervenção efectuada no âmbito das obras de remodelação urbana da Capital Europeia da Cultura Porto 2001. Remodelação muito contestada por diversas entidades e associações do Porto, mas sem que por isso tenha tido a atenção necessária das entidades competentes para o corrigir.

O Jardim perdeu-se na vontade de uns “iluminados” que o transformaram num monte de arbustos de porte baixo, um lago(?) com uma plataforma ridícula, árvores e uns “bancos” desconfortáveis, feitos de pedra, que obrigam as pessoas, que neles se sentam, a ter de colocar jornais para não ficarem com as nalgas geladas, o que traz saudades dos velhos bancos de madeira. O coreto, antigamente central, passou para segundo plano, completamente desfasado do conjunto geral.

Felizmente, salvaram a “honra do convento”, quando o convidaram Juan Muñoz, escultor madrileno, a produzir esculturas para aquele espaço. O escultor parece ter pensado gozar com a remodelação do jardim, perdido o seu romantismo, e colocar como tema das suas esculturas pessoas rindo às gargalhadas: "Treze a rir uns dos outros".

Vale a pena visitar o jardim, por isso mesmo, para termos o prazer de aproveitar a avenida de plátanos e nos sentarmos juntos das esculturas imitando as suas figuras, soltando a gargalhada, que raras vezes, nos dias de hoje, deixamos sair dentro de nós, espantando o stress e não correndo o risco de que nos chamem malucos.

http://cct.portodigital.pt/gen.pl?sid=cct.sections/15151013&fokey=cct.jardins/310
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_de_Jo%C3%A3o_Chagas

terça-feira, 10 de julho de 2012

COMO SE ESQUECE?




Miguel Esteves Cardoso, Último Volume (Texto com supressões)
Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
(…) É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
(…) Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

O MERCADO DA RIBEIRA FOI-SE... E AGORA??




Ao passear pela zona da Ribeira, do Porto, fico espantado como se transformou, num “centro de esplanadas”, e que os cidadãos, assim como os turistas, que querem caminhar pela marginal são obrigadas a fazê-lo pela facha dos carros.

Acabaram com o Mercado da Ribeira, talvez pelas feias “barracas” que tapavam as vistas aos senhores das esplanadas. Agora o passeio é largo e só tem mesas e cadeiras para gáudio dos cafés e restaurantes – as mesas e cadeiras ocupam a totalidade do passeio –e em frente no cais aparecem agora as bugigangas do artesanato, e uns guarda-sóis, tipo de praia, com umas bancas à frente, impedindo de igual modo a circulação das pessoas e tapando a vista aos “pastores que se sentam nas esplanadas à espera de verem o rio Douro e a Ribeira de Gaia.

São feitas obras nesta nossa cidade do Porto, em muitos dos seus espaços que não correspondem ao ambiente local, criando uma artificialidade, a todos os níveis. Como o disparate de alcatroarem a rua de S.João, que além de não “rimar” com o piso envolvente, nem com a zona histórica da qual faz parte. E esperemos que no inverno, com a acumulação das águas das ruas acima que ali irão desaguar, não se transforme num rio que faz foz no cais da Ribeira.

Não sei como explicar aos senhores que governam este país, sejam eles governo, sejam eles autarcas, que o turismo deve ser como as dietas de emagrecimento, ou se fazem com o intuito de mudar os hábitos alimentares, ou então volta tudo ao mesmo e para pior. Transformar a Ribeira numa esplanada gigante, ou feira, não é solução turística. As pessoas que deslocam àquele lugar, não querem ver só a paisagem, mas a realidade dos sítios e não a artificialidade criada para “turista ver”. Se não existem hábitos de cultura, de organização e serviços de utilidade pública, aquilo que se vê é uma maquilhagem grosseira das gentes da morfologia da Ribeira, porque na realidade o que existe são negócios sazonais, alguns de gente que vem de outros lugares, que acabadas as épocas de grande afluência, partem, e outros que são residentes e ficam “às moscas”, transformando o espaço em desertos de cadeiras e mesas. Isto sem esquecer, que todo este negócio de “turismo” acaba por expulsar os que ali residem, por perda das sua qualidade de vida e porque os preços praticados são incomportáveis, abrindo assim espaço aos privilegiados e boémios. É bom lembrar os muitos que “expulsos” das zonas ribeirinhas para o Bairro do Aleixo, que embora a promessa fosse de regressarem, por lá ficaram, e até ali estão também postos em causa.

Em todo o centro de Porto, incluída a Ribeira, se desertifica das famílias, mas aumenta o número de escritórios e serviços, ao mesmo tempo que os bares, cafés e restaurantes gourmet, ou pretensamente populares, sustentados estes por um público muito próprio, que gostam, dizem eles, da “movida”(?). Pena é, que aqueles que de manhã cedo se deslocam por aqueles lugares tenham de levar com o cheiro a urina, que preenche o ar.

P
odem alguns dizer, que muito se tem feito para melhorar a cidade, tenho dúvidas legítimas quanto à qualidade e integração dessas melhorias e do benefício que tem representado efectivamente para os portuenses residentes da cidade.
Valerá a pena ler o texto "Os cafés do Porto! de Maria Teresa Castro Costa, para perceber a mágoa com vejo a minha cidade que me viu nascer, se transformar. Deixa de existir a cidade dos portuenses, mas a cidade do negócio sem cor e do turismo com dor.

sábado, 7 de julho de 2012

AS PALAVRAS VÃO MAIS LONGE

Os lábios se selaram assombrados pelos seus pensamentos.

Como seria, se as palavras saíssem voando dizendo da cor dos sonhos, revelando o cheiro das flores, falando de abraços beijos e cansaços. das conversas faladas junto do travesseiro, dos sonhos vividos, dos momentos sofridos, das gargalhadas soltas. do medo que se percam nos dias. das ternuras sim as ternuras dos teus gestos. dos teus dedos, que na carícia traziam para dentro de mim, bem dentro, bem fundo, o desejo de te amar. Perderiam elas o sentido quando largadas no ar mitigado de oxigénio, de vida. Transformar-se-iam, perdendo o corpo. Seriam de todos menos de ti, seriam gostadas, menos por ti, que não as ouvirias, porque partistes e a distância te transformou tal como um rasto de avião que se desfaz lentamente no céu.

Resta-lhes ficar dentro de mim, fazendo puzzles comunicacionais, procurando rimas, sentidos, emoções outras, que não as delas, mas que partem delas, e se dispersam e reagrupam como que perdidas nos labirintos da razão.

Talvez com o tempo surjam no papel, umas com letra de forma traçado e espessura irregular, outras firmes e decididas misturando maiúsculas e minúsculas, a revelarem a sua essência. É verdade que deixarão de ser tuas, passarão a ser do mundo, porque todos as conhecerão, embora sempre tu dentro delas. E acredito arriscar, que um dia, olhando em diagonal a montra que por ti desliza, ao caminhar em ruas de um outro lugar, as vejas tituladas e assinadas, e saberás que são tuas, só alguém que te conhece o cheiro, te caminhou na pele, as saberá dizer e fazer chegar tão longe.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"AS ARVORES MORREM....DE PÉ"

Entrei na garagem e olhei para as prateleiras colocadas numa das paredes. Lá estavam elas, cerca de trinta esculturas de pequeno porte feitas em madeira.

Fiquei maravilhado e, ao mesmo tempo, espantado com o que vi. António Alberto, engenheiro de profissão, falecido há bem pouco tempo, deixara um precioso legado em arte.

Segundo me dizem, todos os troncos, raízes, ou galhos de árvore que encontrava nas suas viagens, fosse dentro ou fora do país, sempre serviam para transportar para casa e transformar em máscaras, figuras eróticas, mini-gigantones.

Todos aqueles pedaços de madeira ganharam vida suplementar, com uma ligação muito forte a cada momento vivido, e com uma riqueza plástica assombrosa.

A evolução da sociedade tem permitido que as pessoas, na sua generalidade, tendo mais acesso às obras de arte e aos artistas, enriqueçam o seu conhecimento estético e invistam com entusiasmo na sua própria realização artística. Daí, ser vulgar nos dias de hoje ver-se pessoas, cujo despedimento ou reforma foram motores de desenvolvimento de uma actividade artística, por vezes ao longo de anos escondida e postergada, por razões de sobrevivência económica ou por falta de oportunidade para a poderem desenvolver.

Esperemos que o futuro nos traga, ao contrário do que os poderosos da alta finança pretendem, uma maior satisfação na realização e escolha do nosso percurso profissional. Uma maior independência económica e de tempo, para que todos possamos desenvolver no nosso quotidiano outras actividades de âmbito cultural e artístico.