sábado, 30 de dezembro de 2023

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Partiu, deixando gelado, este corpo cansado, improdutivo, já sem vontade, para resistir mais, sem réstia de coragem para suportar, um novo tempo de espera, de que um novo ser nasça, no lugar do que perdeu. Enrolou-se no seu próprio corpo, ajoelhada, esmurrando de punhos cerrados a areia. A dor era avassaladora, indescritível, roía por dentro, como um ácido, e cada segundo parecia uma eternidade. As gaivotas sobrevoavam, nos céus, no seu piar histérico, como carpideiras em funeral. A espuma que se desprendia das ondas, no agitar da água do mar, era como chuva tentando lavar aquele sentimento que não esmorecia. As lágrimas caem no mar, como a rosa-branca se despede das suas pétalas, que se vão desfazendo, na agitação da maré. Como chegou aquele projéctil no meio de nada cercear a sua vida? Quem tem ordem de disparar sem aviso, e num milésimo destrua, o amor tão frágil ternamente criado, que nunca chegará a ser adulto? Quem justifica o injustificável?

 

dc

 

                Samer - World Goes Blind (Lyric Video) | it feels like the world goes blind

 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Hoje, é dia de celebração

 

Tenho pena, de me ter perdido das palavras escritas, que antigamente surgiam a todo o vapor, e que vertia no papel com rapidez, com o medo que elas se perdessem no labirinto dos pensamentos. Hoje é o dia do teu aniversário, as emoções de todos estes anos passados são tantas, tornam a tarefa ainda mais difícil. Surgem palavras tão comuns e desacertadas, que não correspondem ao que durante todos estes anos, vivemos, sentimos e realizamos. Talvez as palavras, que surgem de seguida no texto, não expressem o calor, o carinho, nem as diferentes emoções, que neste momento vêm a superfície. O que vivenciamos, no acompanhar do teu crescimento, com as dificuldades económicas, o tempo de estudo na escola, mais tarde na universidade, discutindo os trabalhos e as notas. As pequenas escaramuças comuns de um pai, que se arrogou no direito de te criar, e acompanhar até ao dia que saíste para viver com o teu companheiro de sempre e formar a tua própria família. Sinto que é insuficiente dizer-te o quanto brilhas para mim, por tudo aquilo em que te transformaste, e me deixa orgulhoso, nesse teu percurso desde menininha, à senhora casada, com o homem que escolheste, como pilar de entendimento, para a realização de objectivos maiores, e trouxeram à luz do dia um filho (o neto, que tanto desejava).
Eu disse, no início deste escrito, que já não sabia arrumar as palavras como outrora, e falta-lhes, talvez, a riqueza de vocabulário, ou a beleza que merecias, mas espero que me perdoes. Só queria que soubesses, que mais do que um jantar de aniversário, ou o estourar do champanhe, há coisas deliciosas, não descritas aqui, que ainda fervilham em mim, permanecerão para o resto dos meus dias caladas bem no fundo do meu ser.

Um beijo, e um Xi coração do tamanho do mundo.
DC


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Futuro desesperançado

Sempre viajando, na minha mente, vou a lugares incríveis e a emoções indescritíveis. Fora dela, as barreiras tornam-se intransponíveis, a timidez tira-me as palavras, a incerteza controla-me as decisões, e o sonho atrasa-se na realização. Fico-me na espera que não presta, desleixando-me de ser. O outono, atravessa-me o corpo, não pelas folhas que caem, mas pela tristeza que me assombra, neste correr de dias chuvosos, onde a réstia de sol não existe, a humidade cancela o sorriso, e a carne corrói e trás acidez às emoções que se despertam. O presente, é cada vez mais presente e tudo o que nos envolve, socialmente, nos diz, e faz sentir, o odor da morte, dum futuro desesperançado.

 

dc


sábado, 9 de dezembro de 2023

Escrevi-lhe..

Escrevi-lhe uma carta, apaixonada, romântica, possivelmente cheia de lugares-comuns, como se escreve, em amores tão simples, nas pessoas que só amam. Não obtive resposta. Esperei tempos infinitos, e depois abandonei-me em pensamentos desordenados, sem encontrar um fio condutor. Desde sempre estranhara, que depois daquela noite, qual o tipo de dúvidas lhe terão surgido, que a levassem a afastar-se no dia seguinte, sem qualquer explicação.
Fiquei sem respostas, a carta procurava lembrar, revelar a mágoa que ficara, e como o  orgulho mumificara o gesto possível, de se questionar. Na minha mente a chave continuava pendurada na porta...
Hoje mesmo acordei pensando na mesma questão. Muitas dúvidas mais surgiram. Será que eu escrevi mesmo a carta e a cheguei a enviar? Será que o remetente e o nome estavam certos? Já recomeçou outra vida? Tudo desculpas por temer que a resposta pudesse chegar, ou na realidade, temia que a razão da ausência de resposta há muito se encontrava dentro de mim. Recomecei a escrever, uma outra carta, que se me dirigia, esta agora, como catarse possível de tal apego


dc


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A distância é terrível.

Conheceram-se, de modo inusitado. As circunstâncias limitaram-lhe os horizontes. Distantes, sem a presença física, vão recorrendo às novas tecnologias, para que a imagem lhes permita verem-se e conversar, alimentando os seus sentimentos, trocando ideias realçando valores, e as suas diferenças de personalidade. Ela trabalhava por turnos numa vida dura, ele “Freelancer”, estava sem horários fixos e com disponibilidade. Inúmeras eram manhãs que acordava com a sua voz, assim como as despedidas de boa noite, quando ficava em casa e podiam conversar mais um tempo em horário mais comum. Cada dia, uma revelação, cada noite a dor de ausência, mas nada os afastava.

Foram planeando uma vida, vivendo sonhos, desbravando a floresta densa com passeios imaginários, avaliando o presente, imaginando e criando sonhos especulando o futuro. Exploravam o blá blá da sina da cigana, que os colocara na mesmo caminho, como almas próximas. Eram dias de dor pela distância, ricos de comunicação, de revelação de quem somos e como somos, anulando sombras, preparando o terreno para quando a oportunidade chegasse, ficarem juntos de forma plena e perene. Os sonhos são bons e alimentam forças incríveis, mas a sua realização é mais complexa, é necessário dar o passo em frente, para que a solução se encontre, para que as vontades e desejos expressos se concretizem, caso contrário, a distância prolongada e a rotina da ausência, porão em causa os sentimentos, diluirão as memórias do tacto, dos cheiros, dos sons e das vivências na pele. Tudo tem o seu tempo, não se podem queimar etapas por medos ou inseguranças. Ter medo de errar é entorpecer e ficar sem capacidade de decisão. Procurar na comunicação moderna a aproximação, é uma solução precária de alimentar situações irrealizáveis, esgrimir ausências, vazios e soluções questionáveis. A distância é terrível, provoca fissuras na estrutura emocional, por vezes irreparáveis.

 

dc

 

"Amor sem verdade é paixão; verdade sem amor é crueldade". A frase é do psicanalista Wilfred R. Bion:



terça-feira, 31 de outubro de 2023

Mente, em branco

 

Já algumas vezes dera conta, que as palavras lhe fugiam quando procurava as letras que as construíam. Do mesmo modo a folha branca era um obstáculo, vazia, opaca, fazia temer perturbá-la. Tudo era desculpa, para não a enfrentar, a impotência de romper a ausência de ideias, a indiferença mumificada, numa escrita de silêncio. Era só com a escrita, pois, na verdade, tentava violar essa sua brancura, com arabescos repetitivos, procurando encontrar nas imagens, a explicação para incapacidade de produzir texto. O vazio é interior e enorme, fruto de uma fixação absurda de querer pensar demasiado, no que escrever. Se, o texto não flui, para quê esforçar-se na procura. O que for escrito não poderá ser uma acção robotizada, tem de partir de dentro, laborada no âmago, e será depositada, quando se solta, na ponta da caneta para a superfície de suporte, num correr de palavras e frases, como sangue escorrendo, da veia, da inspiração.

dc


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Nudez adivinhada


As sinuosas linhas do corpo, sobressaem no agitar do vestido, o sol as insinua em contraluz; sem ser o seu propósito, ele faz acontecer, lembra o não observado. Desvia-nos a atenção, da beleza do rosto e das palavras que da boca se soltam. O agitar do tecido, que envolve o corpo, vai nos sugerindo uma dança, abstracta, um agitar de sedução, um encantamento, vontade de descobrir e conquistar. Uma fuga da rotina plasmada, que gera indiferênça. É uma nudez adivinhada, erotizando a mente.

dc


sábado, 30 de setembro de 2023

Outono?

No findar do mês, com o Outono marcando os dias, não ainda, pelo excesso de folhas caídas sobre a superfície dos chãos, antes por este calor inesperado, que traz sorrisos e fadiga ao corpo. Há que aproveitar para nos adaptamos à diferença, fazendo memória e reescrevendo a estória, que define as estações do ano, com as emoções que evocam. Os pássaros, ainda estão pelos beirais como se não quisessem partir, as gaivotas, continuam frequentando os areais, e o pôr-do-sol, ainda é bem visível no horizonte, com seus tons quentes, na variação de tons laranja e vermelhos intensos. Quase nos sentimos flutuar, em vez de caminhar, como se fosse presente a ausência de gravidade. É estranho, o modo como o clima nos dias de hoje, se torna tão imprevisível, e nos impede as rotinas das diferentes estações climáticas. Os tons ocres, estão afastados dos nossos olhares, os azuis predominam, os brilhos da claridade, sustentam uma atmosfera, extra-sensorial, que vai modelando relevos nas figuras, que ao nosso redor, habitam. Os sorrisos desenham os rostos, os cabelos, soltam-se na brisa leve, as roupas fluidas na leveza dos tecidos, e o odor da maresia, vai-se misturando com perfume doce que vem da terra ressequida. Do mesmo modo, o amor rejuvenesce entre os seres, os amantes vão retardando a calmaria outonal, intensificando as suas vivências, aproveitando-se com frenesim deste novo instante que a natureza os presenteou. Fica a dúvida, se é um fenómeno transitório, e que tudo beneficia, ou se é mais uma partida, que as variações climáticas nos pregam para sabermos, o quanto mal tratamos a Terra.

 

dc


Nasce o sol dentro de mim..

 

Nasce o sol dentro de mim, sempre que te vejo, com os olhos de quem ama. Quando a carícia, inesperada, dos teus dedos, roça a minha face logo antes de me beijares, e sinto o teu corpo contra o meu, sem lugar a dúvidas, ou incertezas, como se quisesses adentrar-te, construindo um corpo único. Nesses instantes, o teu calor é intenso. Os teus lábios, tem o sabor do mel quente, das noites de inverno. O perfume do teu corpo inebria-me e se realça de tudo o resto, marcando o ar que respiro. É tão doce, a ternura que acordas em mim, que me sinto pleno, capaz de suportar e superar todas as esquinas e arestas que a vida me coloca.

dc


terça-feira, 19 de setembro de 2023

Na periferia do corpo...

 

Não fui capaz de a cumprimentar. Ela condiciona o meu raciocínio. A minha admiração, ao vê-la, tolhe-me, deixa-me envergonhado, tímido, como naquele caso, onde bastaria estender a mão, ou dar-lhe um beijo na face. Falta-me o atrevimento necessário, para ultrapassar a periferia do corpo e acalentar no conhecimento possível. É bem possível, que ela me tenha olhado pelo canto do olho, esperando um gesto meu, na sequência do aperto de mão, que dera ao nosso amigo comum. No entanto, eu nem sequer tinha elevado o olhar, para enfrentar o seu, pois sabia que não resistiria ao seu brilho e cor clara, aquele cabelo que lhe moldava a expressividade do rosto e toda a beleza estética que emana. Da minha boca só saíram frases incoerentes, numa tentativa vã de esconder toda a minha sensaboria, perante alguém cuja presença parece fluir, como é natural nas pessoas dotadas. Eu, felizão, de a saber ali tão perto, com a consciência de que seria o mais próximo que estaria, nunca seria capaz de ultrapassar a periferia do corpo e chegar ao âmago de si própria. Ela sorriu, com a boca e os olhos, e eu, quase fugi, de passo apressado. Ela nunca saberia do alvoroço que me causava, nem como me sentia incapaz de manifestar.

 

dc


sábado, 16 de setembro de 2023

Tenho palavras guardadas na boca


Tenho palavras guardadas na boca, para respeitar o silêncio. Poderia eu soltá-las, mas mais do que o ruído que elas trariam, temia, aquilo que provocariam. Na verdade, é necessário conter-me, para a fazer a mastigação necessária, e assim evitar engasgos de maior. Por vezes, a dureza da verdade que possam trazer consigo, ou até, pelo contrário a doçura de que se alberguem, pode criar roturas, mágoas, afastamentos, dependendo de quem inadvertidamente as ler, sem saber se lhe estão destinadas ou não. Tantas, são as vezes, que queremos cativar, alertar, mimar, chorar ausências, e no destino exacerbam frio vinagre, erosão maior, pela imprecisão do que foi interpretado. É difícil dizer, mesmo quando apessoados saberes, parecem ilustrar inteligência, na realidade, acabarão por ser funestos se a sensibilidade de outrem estiver longe, quando se diz.

dc


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Tarde, sempre tarde



Apercebeu-se, no virar da esquina, quão precário é o tempo existir. Sentiu um arrepio, no corpo, sentiu a dor das horas perdidas sem substância. O encantamento desfez-se, ficaram somente resíduos de escassos momentos em que valeu a pena. Faz medo, o lado obscuro do outro eu, que sempre esteve na sombra. Não chegarão, no fim que se avizinha, a justificação, de algumas indecisões, ou a tentativa frustrada de recuperar o tanto que se não fez. Seremos sempre um corpo abandonado, debaixo da cama de flores com que nos despedimos.

dc


sábado, 19 de agosto de 2023

O entardecer é um suspiro

 

O entardecer é um suspiro. Corro para ver o Sol, antes de ele partir para outro lugar. Depois fico-me, sentado, usufruindo o bater das vagas no lençol de areia. Tudo o mais é silêncio. As gaivotas já se despediram do dia, e, algumas, estão em grupo pousadas no areal, talvez preparando o sono, quem sabe. Só na minha cabeça, as engrenagens, da vida activam, os diferentes sentidos. As minhas mãos, vivenciam o toque da areia, que escorre entre os dedos; os meus olhos, procuram gravar as cores que marcam o céu e desenham o horizonte; o meu coração baixa as batidas, e a respiração torna-se compassada, lenta absorvendo todos os odores que me chegam. A emoção toma todo o meu ser e uma paz estranha, mas deliciosa, se apodera de mim, sem permissão para interrupções. O mar, está ali, com a sua canção de embalar, para que tudo esteja certo, para que tudo dê certo. Tudo adentra, o frio não existe, a angústia se foi, a serenidade se implanta, o presente torna-se intenso, único, autêntico.

dc


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

com outros olhos...

 

Gostaria que me visse com outros olhos, que sem temer, se aproximasse, que desse um passo, para abrir a porta do conhecimento de si. Que proporcionasse um diálogo, de olhos nos olhos, sem restrições e preconceitos. Que quisesse descobrir o que os meus olhos dizem, quem sou e o quanto posso partilhar. Até seria bem possível, que servisse de gazua para abrir a minha caixa de emoções, há muito fechada, dela trouxesse à luz do dia algo de diferente, menos comum, mas real e humano suficiente. Com erros de percurso, com vitórias reduzidas, mas de algum modo vividas e duramente conquistadas, com força capaz, para que formado o par, contribuísse para derrubar obstáculos, libertar sentimentos, surfar na alegria e na felicidade possível. Nada se conquista, sem derrubar o medo de errar, superar as incertezas e confiar nas forças que nos suportam, acreditando que todos os dias serão diferentes, com tempestade e bonança, com frio e calor, com tristeza e alegria, mas, sempre com confiança, de que juntos somos mais fortes, para superar e alimentar o amor, que o sorriso ilumina, os olhos denunciam e o beijo acalenta.

 

dc


terça-feira, 15 de agosto de 2023

Upss...


Uma da manhã, o ruído acorda-me. Em apartamentos de férias, de gente pouco abastada, as paredes são de papelão e os ruídos acontecem como se fossem dentro do nosso espaço. Ouvia-se a água a correr de um chuveiro, e todos aqueles ruídos, que alguém habitualmente faz quando toma banho. Um pouco mais tarde o ruído da escova de dentes e água do lavatório a correr…

Ela entrou, com uma blusa preta e uma saia, cor branca, a desenhar-lhe o corpo, cabelo aloirado, com madeixas de cor clara e escura, preso na zona da nuca. Olhos verde-claro, boca carnuda, orelhas com brincos simples. Educadamente, levanto-me para puxar a cadeira onde para se sentar à mesa comigo. Uma ligeira vénia surgiu de si como agradecimento. Após a conversa, plena de lugares-comuns, entrecortados com sorrisos e gargalhadas, foi evoluindo aumentando a intimidade, até terminar com um beijo, ousado que ela se permitiu sobre a minha boca. A boca húmida, deliciosa, agradável, macia como veludo, fofa, adentrando mil emoções em mim. De seguida levantou-se, pegou na pequena bolsa e sugeriu ir maquilhar-se. Muito tempo depois, não tendo regressado, fui saber da razão da sua ausência. Procurei em todo o espaço, e não a encontrei, resolvi com calma, perguntar ao empregado do restaurante se tinha visto a senhora, que estava comigo. Fiquei a saber que afinal ela tinha saído, segundo parece de forma apressada, sem, como diz a estória, tivesse deixado um pequeno adereço que me fizesse encontrá-la. Umas semanas mais tarde, quando atravessava a ponte que une as duas cidades, vejo-a correndo sobre o tabuleiro superior da ponte, com os cabelos soltos, vestindo, já não roupa de férias, mas um casaco de pele, com lã branca a sair da gola e dos punhos. Parecia perseguir algo. Um grupo de pessoas, parado no passeio, travou-lhe a marcha e após conversa agitada com mãos e braços gesticulando, retomou de novo a correria, até que mais à frente, encontrou uma multidão de pessoas que se manifestavam, que a impediu prosseguir. Enquanto isso, eu corria no seu encalço e observava tudo de longe, assim vi o seu ar desanimado, como se algo tivesse impedido de atingir o seu objectivo. Levantou os olhos, ao ver-me aproximar-me, correu na minha direcção e disse-me: não preciso correr mais! Atirou-se nos meus abraços e deixou-se aconchegar, como se tivesse encontrado o seu lugar. Olhou-me, com os seus olhos, cor de mar, cheios de lágrimas, beijou-me e disse: eras tu quem eu procurava!

O apartamento de férias, dava para um corredor exterior do lado da rua, a sua entrada, ficava no lado esquerdo e no lado oposto, no fim do corredor, ficavam as escadas de saída para rua. Ao sair para a minha caminhada matinal, vejo o perfil duma figura de mulher, a sair da porta do apartamento pegado ao meu, só via, cabelo com madeixas, saia comprida e blusa preta. Instintivamente paro. Havia algo nela que reconhecia, rodou o corpo olhou-me e o espanto tomou-me…e despertei.

 

dc


sábado, 22 de julho de 2023

Volta logo, fazes-me falta!



Acordei abraçando a outra almofada, onde a sua cabeça, por norma, repousa. Um sentimento se instalou; de ausência, de falta, mais profundo que o corpo físico. Uma saudade que resta, uma memória que não se apaga. O próprio colchão, tem a marca do teu corpo, e do teu perfume, esse, parece que impregnou tudo o que existe no quarto, ou será que ele resta em mim, na memória? Não sei, tudo se torna estranho. Quando partes, mesmo agora, que saíste temporariamente, instala-se um longo silêncio, mas pior, o vazio de ti. Volta logo, fazes-me falta.

 

dc


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Um Modo de L(v)er

Senti a tentação de me deixar voar na transparência. Poderia cair na tentação de fazer uma sinopse do conteúdo do livro, mas preferi que fosse antes, uma mistura de sentimentos e ideias que me ficaram na minha mente. Podia falar da água que cai, num prédio diferente, na piscina casual, como local de encontro de todos os que nele moram e na frescura ali procurada, do carteiro apeado, que desbrava cartas para justificar a função, por satisfação, esperando entendimento daqueles que o rodeiam e dos responsáveis, que a ele, deviam atender.
Importante, é que me chegou com as vozes negras, carregadas de transparências, do linguarejar do seu povo. Atingiu-me a alma de modo fulminante, no seu gotejar da sabedoria das suas gentes, com as suas estórias e seus pensares. Fez-se presente, em guerras já passadas que deixaram nódoas, que nem a lixívia do tempo, consegue apagar. Tudo vozes acontecidas, na fantasia do real que se atreveu deslumbrar. Denúncias, ou achegas de clarificar promessas falecidas, de quem, rapidamente se esqueceu, do ainda ontem escravo, agora exercendo poderes e gestos, a espingardar decisões de imitação barata e sem sentido. Saiu um usurpador e logo aparecem, outros e variados oportunistas, etilizados, colando-se aos ideais de libertação, sujando tudo à sua passagem, com os seus punhos de renda, malabarismos de má consciência. Mas há sempre alguém, de sangue não contaminado, que consegue trazer do povo e das suas experiências e transparências, as suas memórias ancestrais, a beleza da ligação à terra e o fluir da vida ainda longe dos vícios citadinos.

 

dc

 


terça-feira, 18 de julho de 2023

DEIXAR IR

 

As raízes que me prendem, são as memórias tardias e os laços com a terra de nascimento. Pouco mais resta, que me mova a emoção e me traga à superfície, nem para respirar depois de uma apneia, forçada, para encontrar o silêncio no meio deste mundo caótico. Assim fujo de qualquer contacto mais físico, mais terno, mais humano. A intenção é deixar ir, sem a percepção dos acontecimentos, sem o stresse do tempo. Como se tivesse calçado os chinelos velhos de imensas caminhadas, que sabem o caminho, mas estão gastos, pela incerteza e desconfiança. É um “arrumar das botas”, fixando o olhar e o pensamento nas leis da natureza, para que ficar mais perto do estado límbico, com serenidade e em paz.

 

dc

terça-feira, 4 de julho de 2023

Desabafo

 

Sim, sei amigo/a-anónimo é isso mesmo, ausente de sexo, ou de nome, é verdade que “o que autor precisa é de amor”. Sim, chega de textos lamechas, de memórias, de estórias de não amor. Tem toda a razão, se assim o diz, por si, fala toda a sua experiência nessas coisas. Você sempre amou e foi amado, sem dúvidas, nem precisa de ler poetas ou romancistas, ou até de perceber dessa história de casamentos falhados, de divórcios inesperados, de pais separados, de filhos não amados. Você, anónima/o é a sabedoria e experiência em todas as tonalidades e emoções. Já sentiu borboletas no estômago, frio na espinha, saudade, dor pela ausência… Ah! Não? Pois, você é alguém experiente nesse seu o amor total, essas banalidades de artistas e amantes, não contam no seu vocabulário. Você amou, e, logo foi amado e morreram felizes para sempre. Nunca houve falta de dinheiro, nem casa sonhada, passeios imaginados, nada lhe foi sonegado, nasceu de cu virado para a lua. Que bom! Não sabia que a felicidade é algo tão perene em quem ama, que nem se apercebe, que a tal literatura, os teatros, os filmes, esculturas e pinturas, que plasmam nas paredes da sua casa e nos muitos lugares, são apenas fétiches de uns desmiolados, são simples adereços, como a mesinha de cabeceira no quarto, onde guarda os preservativos invioláveis por desnecessário uso. Ah? Também não é bem assim… Não me diga é tudo amor. Sim, o único que só você conhece, que nem precisa de momentos outros nas suas emoções que lhe permitam distinguir aquilo que agora diz sentir. Pois, bem senhor anónimo, estou grato por ter-me alertado e fazer-me entender o seu ponto de vista, mas se tivesse um nome seria mais fácil, pôr o nome aos bois, não acha? Aproveito para dizer, que já alguém famoso disse, em relação à leitura, que o importante era que as pessoas lessem, nem que fossem coisas “da bola”, ou estórias da carochinha. Eu penso o mesmo em relação à escrita, ninguém tem de ler os devaneios do autor mal-amado, mas foi a custa desse treino, que fui ganhando alguma habilidade para juntar palavras, por isso, deixe-me deliciar com as minhas dúvidas, incertezas, dores e lamechas, sou um ser imperfeito que precisa de um pretexto para sobreviver, que se chama, amor.

 

dc


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Sonho inconveniente


Não consigo entender, porque não abandonas os meus sonhos.

Porque não viajas, num mundo só teu,
onde o tempo permite o teu egocentrismo manter-se.
Deixa-me, no meu só, que escolhi.
Eu fujo de ser pertença, de quem, vai e vem,
plantando incertezas e distância.
Quero manter a dignidade do amor que tive,
embora de curta duração, foi mais do que pleno.
Procurei e encontrei-te no tempo certo.

Dei, sem retribuição, oferecendo-me por inteiro
agora, sai, faz do mesmo modo, o teu caminho a sós,
deixa que as rugas me apareçam. Permite que a natureza

cumpra o seu papel e que o corpo se vá adaptando,

à espera, e que seja a paz, o elemento de apoio para o fim do caminho.

 dc


segunda-feira, 22 de maio de 2023

como caminhar sobre flores

 

Num olhar de relance, descobri o desenho da coxa, subtilmente a surgir entre o pano do vestido, sinto nela o desafio. Desvio o olhar refugiando-me nos teus olhos, que possuem um brilho malicioso de descaminho, destacando-se no teu rosto. Os teus lábios entreabertos, carnudos, pintados de vermelho, desenham a boca, meio húmida, apetecível provocação para ser beijada. Acedi ao desafio e foi assim, como caminhar sobre flores, que os meus dedos começaram, a percorrer o teu corpo, seguindo o rasto dos meus lábios, que iam depositando beijos, sobre a tua pele quente, indo ao encontro do prazer, onde o fazer do amor é forte e etéreo.
O tempo deixou de contar, até ao momento em que regressaste ao mundo dos vivos. O teu corpo rodou numa espiral de si, deixando no ar de um rasto perfumado de erotismo. Colocas o pé no chão, em passo largo, como que bailando, alongando os braços sobre a cabeça voluptuosamente, deixando uma aureola desenhando teu lugar no espaço, afastaste em direcção à luz que te submerge. De mim, sai um suspiro sufocado, algo desconhecido se abala dentro de mim, solto um uau de espanto, trazido à superfície, naquela angústia de não ser poeta para descrever em palavras a riqueza do sentimento que se apodera de mim. Deste forma, às palavras da poesia que não fui capaz de escrever.

 

dc

domingo, 30 de abril de 2023

Atrás da cortina


Como um modelo simulado, vive atrás da cortina, dos sentimentos, das dores, das angústias, da espera eterna, daquele amor imaginado pressentido nos outros, como se fosse lei da vida, a eterna busca, do inexplicável caminho, ao centro do universo de alguém. Rígido, de forma morfológica tosca, com elementos básicos de sugestão, procurando encontrar no desenho dos dias, em mão suave, delineando o caminho desse sentimento criativo que alimenta a nossa existência. O espaço é sempre o mesmo, suficientemente terreno. O tempo que corre célere alimenta a angústia, de um objectivo, sempre longe da meta que anseia. Já sentiu o toque, o bafejar dos seus lábios, o brilho da promessa, mas a férrea distância, vai prolongando a tormenta do verbo existir, sem encontrar o mapa, que indique o caminho, adequado à realização do sonho, da alegria, da felicidade mesmo que temporária, de ser amado até ao limite das suas forças.

 

dc