terça-feira, 31 de maio de 2016

NOITE, última




Nem sempre a noite tem o breu das emoções, nem sempre é a alegria de alguns.. Usamos a noite como lugar de choro, pela privacidade que nos confere, ou como noctívagos que se arrastam pelas ruas entre cigarros e bebida, num eternizar de perguntas e respostas que não temos, ou ainda, colados às sombras, passando despercebidos, agarrando o seu silêncio e cantarolamos as nossas mensagens subliminares, na procura da audição algures em outro lugar. Na noite damos lugar ao Fado, às emoções, às realidades da vida feitas na claridade dos dias.
Há coisas que são acontecimento na noite, que superam a agressividade do lobisomem, em noite de lua cheia, O foguetório e seu estrelejar em celebração, ou festa de alegria e sucesso, baile de rua, A noite refúgio dos amantes que se possuem na semiobscuridade rente às paredes, das vielas difusas da toponímia da cidade. Para alguns a noite só tem uma voz que fecha o dia, como um ponto e vírgula da sua existência, lembrança de que não são prioridade, deixando-os no abrigo da soleira da porta, ou lugar ermo consumidos  pela solidão.

Enquanto isso o gato, amigo do sol e da noite, indiferente à mundanice, no correr dos telhados procura resposta aos seus miados, Quando não, arranha suavemente a porta entreaberta do quarto de seu dono, esperando não ser censurado, no seu entrar, indo ao encontro da caricia e prazer de ronronar na cama.
dc

domingo, 29 de maio de 2016

NOITE, terceira




A noite
um ponto e vírgula (;)
entre os dias
que acontecem

Nos entretantos
permanecem

O Entardecer
como vírgula (,)
no dia a fenecer

A madrugada
e suas reticências (...)
na noite que acaba


E depois...

O dia
com seu ponto de interrogação (?)

A vida, a vida
com um grande ponto final (.)

O mundo todo, afinal
um ponto de exclamação (!)

dc

sexta-feira, 27 de maio de 2016

NOITE, segunda





A noite chegava
O luar se instalava

Eu dormia
O quanto podia

Um gato miou
Algures no telhado

Acordei atarantado
Sorte minha
O pesadelo acabou

Da janela me abeirei
No telhado observei
Dois se enroscando
Gata e gato se amando

E logo pensei
Até quando..

dc


quinta-feira, 26 de maio de 2016

NOITE, primeira




Deixei-me levar pela noite, agarrou-me ao seu silêncio, com garras de sombra desenhadas pela lua. Levou-me nesse seu abismo, nesse horizonte que flutua no limbo vaporoso que sai das entranhas da terra, nesse cemitério em que se instalam os dias que se não resolvem. Não anseio o dia, temo que me traga a claridade, com a sua crueza definida da realidade. É a miserabilidade sobressaindo no choro convulso, a incapacidade de dar o passo em frente para um novo percurso, de assumir outros cenários  e diferentes vivências. É um agarrar estúpido, inconfesso, a algo que já não sobrevive à mais simples aragem que o reduziria a pó. Porque temer o amanhã só porque o hoje não foi brilhante, como se desconhecesse que a evolução está no erro e acerto?
O telemóvel tocou, e um arrepio trespassa todo o corpo, os fantasmas surgem arrastados pelas memórias, quais as razões da sua intromissão naquela noite? Que outra realidade teria de enfrentar para além da que temia e o fazia prolongar o silêncio em que se refugiava? Mal desperto do pesadelo recente, ouviu a voz do outro lado que chegava maviosa: Aceita a chamada a pagar no destino? Na dúvida pensando algo urgente e temível disse: Sim claro! E de seguida ao seu alô, entra a voz, pesada, anasalada de uma mulher: “Desculpa, já percebi que não és o Roberto, errei o número mas gostei de te acordar!”
Pior era impossível. Puta noite.

dc




segunda-feira, 16 de maio de 2016

Já nada existe




Tantas vezes, perdemos tempo que não devíamos, dando a mão aos que já estão mortos,  tentamos mantê-los vivos, ignorando que já não respiram, é o medo de que o hábito morra e sabermos que já nada existe que vale a pena.

dc


domingo, 15 de maio de 2016

Há silêncios inocentes





Há silêncios inocentes
Perdidos pelas madrugadas
Evitam-se presentes
Colocam portas sem aldrabas
Silêncios tão temidos
De pensamentos contidos
Com as dores que são suas
Divagando pelas ruas

As marcas sempre ficam
Marcas na pele que silencio
Mas os olhos não escondem
Os humores que vivencio
Todo o hoje repete o ontem
Enquanto se instala o vazio.

dc