quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Pedir um tempo


Sinto-me observado, por esse teu olhar indefinido, entre tristeza, dúvida e mistério, que cativa a minha atenção. Não direi que te amo, mas que te estou amando e, para mim, é suficiente. Nada é eterno, a não ser esse momento em que mutuamente nos observamos, como se quiséssemos “parar o tempo” e usufruirmos o estarmos ali, parados, olhando, falando, rindo e vivendo. Demos mais um passo, para além do dizer dos olhos e das palavras, afundámo-nos no conhecimento, no intencional descobrir dessa realidade palpável, no dia a dia de existir. No amadurecer, sem colorir, tudo se avalia com ponderação, mas a insegurança, arrecadada de outras estórias, faz temer o que poderá seguir-se e dá coragem ao apelo de um temporário distanciamento, ou um pedido de “desconto de tempo”. Como num jogo, no qual o treinador precisa de instruir a equipa. Mas sabes o tempo não pára, os movimentos dos astros, das estrelas, da órbita da terra e do relógio continuam. A distância, só por si, já confunde a forma de viver o tempo, este esfuma-se no percurso, e mais longe fica a solução. Diz-se muitas vezes: é preferível “perder” algum tempo, para ganhar no tempo futuro. Até que ponto, com a realidade a acontecer de forma prazerosa em que o tempo parece esfumar-se, que pedir um intervalo, não será um modo de colocar acidez naquilo que era doce, um descaminho para o silêncio, o vazio da ausência, e  nisso a destruição da fluidez do discurso das vontades e razões do desejo e do sentir. O rio não passa duas vezes debaixo da mesma ponte, por isso nada será como antes, e daí, pode resultar numa retoma com perda de tempo.

 

dc  

 

 

domingo, 15 de agosto de 2021

Amor(b)eijo

 

Como se fosse um caminhar, os seus lábios, colam-se em outros lábios, são duas bocas semiabertas, percorrendo distâncias imensas no desfrute das sensações. Envolvem-se as salivas, as línguas se cruzam, em repetições sucessivas; a sensualidade é absurda, as bocas sorvendo, mordendo, se acalentando na respiração, procurando, bem fundo, como se quisessem encontrar a razão, que liga duas bocas se amando. Sem que as palavras se acrescentem, as bocas fazem o caminho para a descoberta do indizível, que nos corpos que se despertam. É uma busca errática e conduzida pela intuição que a proximidade desbloqueia. O que foi princípio, se vai metamorfoseando, com o rolar do tempo, as emoções se esclarecem e a aprendizagem, culmina na explosão dos sentidos; muito mais tarde a serenidade se encarregará de esmerar, revivendo. À superfície chegarão, novos saberes, novas vivências e aromas, as morfologias se desvanecem, fica somente o prazer de sentir o aturdido silêncio, retemperador, depois do êxtase.

 

dc

 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Quem sabe

 

 

O vento forte adejava as bandeiras, azul, dourada e branca, designando as qualificações da praia. Deitado, de costas para o sol, numa duna próxima da rebentação do mar, esparramava-se na toalha colocada sobre areia e se esmaecia com o calor do sol. Ali, só uma leve brisa corria. O ruído do mar, que à duna chegava, trazia como música de fundo o piar agitado das gaivotas e o vozear das pessoas da praia, embalando-o no berço macio da inconsciência. Sentia o calor adentrando, no seu corpo, num prazer indecifrável, que o deixava incapaz de se mexer. Subitamente uma gargalhada cristalina, rompeu o ar envolvente, indo até ao mais fundo de si e o fez levantar a cabeça, curioso de saber, a origem. Uma jovem mulher, rosto de linhas suaves, cabelo preto e curto, corpo esbelto e moreno, precariamente tapado, por um biquíni preto, destacava-se na orla do mar, onde fazia corridas curtas, recuando, ou avançando, em volteios, brincando com ondas que se desfaziam no areal. Parecia uma criança, chegada do interior, vendo pela primeira vez o mar. Além dos atributos físicos, que despertavam a sua atenção, havia toda aquela alegria surpreendente. A sua gargalhada, foi um canto de sereia que o tirara da letargia. Foi uma resposta a uma pergunta que não fora formulada, e precisava ser encontrada. Há quanto tempo, não sentia tal jovialidade, que o fizesse capaz de fazer coisas inesperadas, como tocar às campainhas das portas e fugir, ou andar de baloiço. Um gesto infantil, como aquele que vira, que lhe retirasse do rosto a sisudez, quebrasse as rotinas e desse fluidez à criatividade, para bem da sanidade mental. Talvez se isso acontecesse, a sua timidez deixaria de ser um travão, ao relacionamento com as pessoas e facilitasse o caminho para uma ética de convivência, e, gazua para conversas frutuosas, prontas para libertar os sentimentos engaiolados. Quem sabe..

dc