terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A memória do beijo

Reconheci aquela voz, surgida do nada, lá de longe, percorrendo centenas de quilómetros, naquela linha invisível que atravessa o ar, sem mudança das nuances que a tornam única. Chegou trazendo com ela memórias, emoções, sentimentos que pareciam já ter sido diluídos, nas insónias, nos dias de vazio, na metamorfose do envelhecimento. O som saído da sua boca, continuava quente, num tom que acarinha cada palavra que pronuncia, como acariciando os meus ouvidos. Tomei-me de pavor, o meu cérebro não visualizava, nem discernia na escuta, os contornos da sua boca, o seu sabor, a textura dos seus lábios, a sua humidade, nem se em cada beijo outrora dado, a língua se insinuava entre os lábios. O tempo mostrava, que a memória do beijo é mais difícil de explicar e de memorizar. O silêncio, o afastamento, a ausência de outras estórias, as noites e dias com a crueza da sobrevivência, foram afastando das memórias, a materialização do teu sabor em mim. Depois de a ouvir, reflecti e pensei, que só repetindo o beijo, o gesto, a atitude, a razão de ele acontecer, poderia fazer regressar todas essas sensações e saber quanto vale um recomeço.

 

dc