sábado, 31 de março de 2018

Há sempre uma estória




Caminhava pela tarde, com o sol baixando ao seu leito. A cor dos campos, dum dos lados do alcatrão, tinha algo de fantástico que preenchia o meu silêncio magoado. Na  memória o seu rosto fechado, com os olhos escondidos pelos óculos escuros, quando na paragem do autocarro se despediu de mim. As coisas ainda mal começadas, já tinham desenhadas o seu fim.
Naquele caminhar, nos meus pensamentos tudo estava a preto e branco, mesmo quando sabia das cores que se passeavam pelos meus olhos. As barras brancas, que no alcatrão marcavam o lugar de passagem aos peões, iam surgindo de onde em onde, como imagens num filme de dezasseis frames por segundo. Aquele repisar, branco e preto, preto e branco, fez-me reparar que as faixas não era totalmente brancas, e que elas em si, continham desenhos vários e relevos...afinal não era tudo preto e branco, tinham nuances e relevos. Se me deixasse levar pela imaginação, até veria que dentro daqueles meios tons, havia um horizonte, com árvores e um pequeno bichano de olhos arregalados observando-me. Ganhei o dia, ou melhor a tarde, sorri, e deixei que as cores do ambiente adentrassem em mim pela porta dos olhos.

dc

P.S. Numa imagem, há sempre uma estória por trás que a sustenta.


quarta-feira, 28 de março de 2018

Senior, eu?




Quando a idade
não magoa o corpo,
dámo-nos por felizes.

As rugas são o menos,
a dor não nos acorda,
vivemos sem o remédio.

Quando ficamos
no meio da promessa,
do ir e não ir, perdemos raízes.

E se esperamos
sapato de defundo,
morremos de tédio.

Quando ainda dançamos,
rodamos e ginasticamos o corpo
Somos felizes,
não somos um peso morto

dc

terça-feira, 27 de março de 2018

Amizade renascida




Os anos passaram, e ao contrário do que seria normal, depois de tantos anos afastados, em vez do esquecimento, revitalizou-se a amizade e a liberdade de comunicação entre eles. Hoje, melhor do que nunca, se entendem e adivinham as palavras na boca um do outro. Há quem use, na linguagem corrente, o chavão: “são muitos anos a virar frangos”, ou seja, vivência, mas não é só disso que se trata. Na verdade, no tempo decorrido, às suas vidas foram acrescentados vazios, silêncios, novos conhecimentos, mais experiência e a perda algumas barreiras convencionais. Daí, ambos pensarem, ser importante privilegiar o que de positivo descobriram em si próprios, dum em relação ao outro, fortalecendo a sua amizade e acorrentando-a aos prazeres das suas vidas.


dc

quarta-feira, 21 de março de 2018

Datas





Fugiste das minhas datas
De Aniversário
E de outras do calendário

Não sei se fugiste de mim
Ou se eu fugi de ti
Só sei que não mais te vi

É algo que não se pode relevar
O tempo tornou tudo tão escasso
Já não existe em nós qualquer laço

Quando se parte sem bagagem
Quando se sai de mansinho
Já não existe outro caminho

Uma porta fecha-se de vez
Outras se abrem ao acontecer
Como os dias com o seu amanhecer

Apagar da memória as datas
Especiais em alguns dias
É libertar-se para novas alegrias.


JAN2018

dc



domingo, 18 de março de 2018

Junto ao lago





As lágrimas se desenrolavam do novelo da alma, percorrendo como um rio o leito de seu rosto. Sentada, em frente do lago, sentia-se acompanhada no seu desabafo com a natureza, vendo os cisnes e os patos no seu nadar silencioso, com o grasnar esporádico deles, ou pelo grito de uma gaivota rompendo o ar. Os olhos embaciados pelo véu da tristeza, eram o espelho do seu cogitar. Ali tudo era mais sereno, podia reflectir sem embaraço, deixando o fluir das perguntas e respostas, sem pressas, numa ponderação suficiente para encontrar as soluções. Pensava nos acontecimentos, imaginava, lugares, espaços, e vivências, na ocorrência da possivel descoberta de uma nova pessoa dentro de si.
A natureza trazia-lhe a calma, lentamente tudo se tornava mais simples. Sem se aperceber, reparando em si própria, sentia na boca um sorriso e que o seu pensamento acompanhava o voar dos pássaros e a sua agitação. Tudo lhe parecia mais simples. Ninguém seria suficiente importante para lhe atazanar a vida. Para quê sofrer por um amor não correspondido, só porque que tinha medo da solidão, ou do silêncio?
A vida pregara-lhe uma partida encurtando o tempo para se refazer, porque não aproveitar o agora com toda a força, sorrir e voar como os passarinhos que vivem na alegria o dia a dia?
Domingo é um dia, como qualquer outro, para se retomar o curso do nosso destino.

dc