domingo, 30 de abril de 2023

Atrás da cortina


Como um modelo simulado, vive atrás da cortina, dos sentimentos, das dores, das angústias, da espera eterna, daquele amor imaginado pressentido nos outros, como se fosse lei da vida, a eterna busca, do inexplicável caminho, ao centro do universo de alguém. Rígido, de forma morfológica tosca, com elementos básicos de sugestão, procurando encontrar no desenho dos dias, em mão suave, delineando o caminho desse sentimento criativo que alimenta a nossa existência. O espaço é sempre o mesmo, suficientemente terreno. O tempo que corre célere alimenta a angústia, de um objectivo, sempre longe da meta que anseia. Já sentiu o toque, o bafejar dos seus lábios, o brilho da promessa, mas a férrea distância, vai prolongando a tormenta do verbo existir, sem encontrar o mapa, que indique o caminho, adequado à realização do sonho, da alegria, da felicidade mesmo que temporária, de ser amado até ao limite das suas forças.

 

dc

quarta-feira, 12 de abril de 2023

A lei do piropo não me dizia respeito

Os olhos eram cinzento claro, brilhantes. O cabelo dela de um tom castanho claro, preso atrás na nuca, realçava-lhe o desenho do rosto, com um queixo ligeiramente quadrado, sem ser agressivo. O tom de voz era aveludado, o sorriso era suave e doce, cada vez que pedia desculpa, ou agradecia. O movimento dos lábios bem desenhados e carnudos, perturbavam a minha atenção. Trazia uma t-shirt branca e umas calças cor cinza escuro que lhe davam um ar conservador, sem esconder o corpo bem desenhado, de linhas escorreitas, a cintura desenhada desde o limite dorsal, numa linha suave, até ao cume das pernas. Ela começara a fazer exercício perto de mim, quando a olhei de soslaio, verifiquei que tinha uma aliança de casada no dedo. Pensei para os meus botões, “ainda bem que não me atrevi a avançar com algum elogio de admiração, ou tentei meter conversa de circunstância, para a conhecer melhor”. Na realidade, o ter aliança e ser casada, não impedia que apreciasse a sua beleza e sensualidade, ou que me sentisse tocado na minha sensibilidade. A lei do piropo não me dizia respeito. Ali a singeleza do pensamento, ao primeiro olhar, sem saber, o mais que, por trás de tal figura, pudesse existir. Era uma mulher bonita e digna de ser apreciada, casada, ou não. Ela continuaria a amar o seu amado, ou não, e eu, ficaria com os meus pensamentos, seduzido, respeitoso, grato, por se me permitir conhecer alguém, que me despertava para tal beleza. Naquele lugar, era comum encontrar corpos musculados, ou ginasticados, aquela mulher distinguia-se, mantinha a sua feminilidade, para além do exercício a que submetia o corpo. Sem falsos moralismos, a sua presença, era um bálsamo, para o pausar entre as séries de exercícios repetitivos.

dc

sábado, 8 de abril de 2023

Há momentos, tão sós..


... que até o respirar é falho de expressão. Interrogámo-nos, questionamos, razões e atitudes, as nossas e dos outros, e depois, depois pensamos se vale a pena tanta canseira, a imaginar mundos, onde tudo será diferente. Deitados, na cama de um hospital tudo se reduz a uma condição de dependência, de temor que o inesperado que possa a acontecer, menos da morte, que sabemos tão certa. Interrogámo-nos, do porquê, connosco, da doença ruim, da doença leve, como se houvesse leveza na doença. Que futuro nos espera após sair dali, não seremos mais os mesmos durante muito tempo. Enquanto ali estivermos, feridos, acamados, operados, ou com outro tipo de cuidados, sabemos quem zela por nós, naquele espaço, e quão mal tratados são, de reconhecimento de dedicação, de vida intervalada de urgências, sem rotinas, o inesperado é todos os dias. Nós, também absorvemos todas as dores que nos rodeiam, físicas e sociais, e aproximámo-nos com clareza, da insignificância que somos perante o mundo que nos rodeia. Quantas querelas com família, com vizinhos, por pedaços de nada, quantos ódios, quantos mandões e senhores de poder, dominam, e não são nada perante a doença, que rói por dentro e não tem tréguas, sem medir a classe social ou Poder. No serviço público, continuamos humanos, iguais, tratados por iguais, têm preocupação nos cuidados, são qualificados e dedicados profissionais. Ali, o salário conta, por menor, mas a vontade de ser presença é tão forte, que podemos dizer vale a pena o nosso SNS. Os defeitos que possa ter, são menores comparados com o valor que representam para o povo.

dc