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segunda-feira, 8 de julho de 2024

A voz que me encanta

Sydnie Christmas um talento cantando

A voz me encanta, a boca desenha um sorriso, lindo, intraduzível. Os olhos sorriem e brilham, acompanhando os sons saídos dos lábios. Com a simplicidade, como se apresenta, assim o poema sai, fluindo na sua voz quente e límpida. Sinto que me afasto, torno-me etéreo naquela escuta. O mundo, é todo, uma nuvem, que me conduz para lugares desconhecidos. Sentimentos vários, nunca surgidos, se adentram e me arrepiam a pele. Afinal a arte, estética, a voz, a sua figura, nos arrebatam deixando-nos suspensos da realidade material. Sem adivinhar o porquê, enamoro-me do que vejo, ouço e aprecio. Fantástico quando alguém canta e tem presença, e a voz, que nos encanta.

dc

 

 https://www.youtube.com/watch?v=pjyy4tYZFDc

segunda-feira, 22 de maio de 2023

como caminhar sobre flores

 

Num olhar de relance, descobri o desenho da coxa, subtilmente a surgir entre o pano do vestido, sinto nela o desafio. Desvio o olhar refugiando-me nos teus olhos, que possuem um brilho malicioso de descaminho, destacando-se no teu rosto. Os teus lábios entreabertos, carnudos, pintados de vermelho, desenham a boca, meio húmida, apetecível provocação para ser beijada. Acedi ao desafio e foi assim, como caminhar sobre flores, que os meus dedos começaram, a percorrer o teu corpo, seguindo o rasto dos meus lábios, que iam depositando beijos, sobre a tua pele quente, indo ao encontro do prazer, onde o fazer do amor é forte e etéreo.
O tempo deixou de contar, até ao momento em que regressaste ao mundo dos vivos. O teu corpo rodou numa espiral de si, deixando no ar de um rasto perfumado de erotismo. Colocas o pé no chão, em passo largo, como que bailando, alongando os braços sobre a cabeça voluptuosamente, deixando uma aureola desenhando teu lugar no espaço, afastaste em direcção à luz que te submerge. De mim, sai um suspiro sufocado, algo desconhecido se abala dentro de mim, solto um uau de espanto, trazido à superfície, naquela angústia de não ser poeta para descrever em palavras a riqueza do sentimento que se apodera de mim. Deste forma, às palavras da poesia que não fui capaz de escrever.

 

dc

sábado, 8 de abril de 2023

Há momentos, tão sós..


... que até o respirar é falho de expressão. Interrogámo-nos, questionamos, razões e atitudes, as nossas e dos outros, e depois, depois pensamos se vale a pena tanta canseira, a imaginar mundos, onde tudo será diferente. Deitados, na cama de um hospital tudo se reduz a uma condição de dependência, de temor que o inesperado que possa a acontecer, menos da morte, que sabemos tão certa. Interrogámo-nos, do porquê, connosco, da doença ruim, da doença leve, como se houvesse leveza na doença. Que futuro nos espera após sair dali, não seremos mais os mesmos durante muito tempo. Enquanto ali estivermos, feridos, acamados, operados, ou com outro tipo de cuidados, sabemos quem zela por nós, naquele espaço, e quão mal tratados são, de reconhecimento de dedicação, de vida intervalada de urgências, sem rotinas, o inesperado é todos os dias. Nós, também absorvemos todas as dores que nos rodeiam, físicas e sociais, e aproximámo-nos com clareza, da insignificância que somos perante o mundo que nos rodeia. Quantas querelas com família, com vizinhos, por pedaços de nada, quantos ódios, quantos mandões e senhores de poder, dominam, e não são nada perante a doença, que rói por dentro e não tem tréguas, sem medir a classe social ou Poder. No serviço público, continuamos humanos, iguais, tratados por iguais, têm preocupação nos cuidados, são qualificados e dedicados profissionais. Ali, o salário conta, por menor, mas a vontade de ser presença é tão forte, que podemos dizer vale a pena o nosso SNS. Os defeitos que possa ter, são menores comparados com o valor que representam para o povo.

dc

 

domingo, 7 de agosto de 2022

A dúvida


Naquele primeiro encontro, fora das convenções, não sabia, se fizeram amor, ou simplesmente sexo empenhado, saboroso, requintado. Fizeram-no, foi bom e pronto, para quê avaliar muito mais. Fizeram-no repetidamente ao longo daquele dia, como nos tempos posteriores, que estiveram juntos, sem limitações, descobrindo, apreciando cada bocadinho de si. Não seguiam o Kama Sutra, mas alimentavam as tempestades e repousavam na bonança. Conheciam os seus cheiros, no cio, ou fora dele, saboreavam cada interstício de pele, sem medir o tempo, sem amanhã. Jogavam bem naquele campo, sem domínio absoluto de nenhuma das partes. Era uma parte óptima dos dois. À partida ambos embarcaram na aventura da descoberta, empolgados, confiantes, sem muitas palavras, deixando as emoções dominarem, sem sentirmos ser preciso saber algo mais. Foi “amor (?) à primeira vista”. Se assim foi, nasceu cego, que nem intuíram sequer, possíveis in/compatibilidades, nem naqueles pequenos nadas que iam surgindo nas conversas que versavam temas fora do leito. Pareciam temer revelar-se, como se fazê-lo fosse uma disputa de razões, ou que teriam de pensar igual. Conquistar o presente, alimentando projectos com vista o futuro, parecia ser assustador. Ambos sabiam, que somente os “jogos de cama”, não seriam suficientes para alimentarem o que acontecia, que para durar e ser real, seria necessário “primeiro fazer a cama para nela se deitarem”. Poderiam até aceitar, que bastava o que tinham, necessário era assumi-lo. Esta era uma outra tarefa difícil de levar a bom porto, nenhum queria admitir ser somente sexo, porque temiam fosse mais que isso, fugiam de aceitar que teriam de mudar alguma coisa, para que a perenidade do que existia tivesse mais substrato e se tornasse duradouro. Partir deixaria dúvidas, ficar exigia compromisso, reconhecer que algo mais acontecera. Simultaneamente, num coro a duas vozes, surgiu a pergunta, e agora?

 

dc

domingo, 24 de julho de 2022

É bom não ignorar


Ignorar quem nos ignora, é fazer prevalecer o respeito por nós próprios. É um caso para registar, quando alguém passa por nós, neste rodízio da vida, com ar compenetrado, olhar alongado na distância, quase roçando o nosso corpo, naquele ignorar “involuntário”. É bom não ignorar quem nos ignora, ou tenta passar despercebido, mesmo quando passa pela nossa frente e o resto do mundo estivesse para além das nossas costas. Quem nos ignora, informa quanto à sua identidade e caracteriza a sua tipologia como pessoa. Não deve passar em branco, àquele que é ignorado, a conduta do outro. O ignorar desse outro, pode ser uma espécie de provocação, que muitas vezes tem um efeito contrário. Aquele que em mim não repara, quer que eu fique atento à sua visibilidade, quando sou invisível aos seus olhos. A resposta ao seu ignorar, é nos fazermos notados, saudando, sorrindo, enfrentando, questionar quem não quer ser questionado e queria fazer-nos ignorados, depois, depois rodar, dando de costas, caminhando para um outro lugar, onde o cheiro da falta de ética não tresande.

dc


quarta-feira, 21 de abril de 2021

O perigo somos nós

Do confinamento entre lugares, passou-se ao confinamento de mentalidades e comportamentos.

Vejo-os circular tropeçando na pressa de fugir ao respirar de outros. Zombies. Como se os olhos estivessem presos por fios invisíveis de marioneta. Tiraram-lhe a face, deixaram-lhe os olhos fundos como único lugar de identidade. Muçulmanos sem ser, vítima de algozes disfarçados de bem feitores. Surripiaram-lhe a liberdade, apelando a um bem maior que serve de metáfora para a morte por descodificar todos os dias. O medo está instalado, a pressão exige obediência, submissão, aceitação da voz única. O discurso repete-se, para que a mentira se torne a verdade, sem que outras vozes se ouçam e o contraditório se revele. Vamos sendo colonizados por opiniões daqueles que defendem outros interesses que não são os nossos. Defendemos os que nos afectam e prejudicam, aceitamos os seus conceitos e fazemos deles nossos. Crédulos alguns, denunciam, e apelam a algemas e mordaças invisíveis, para aceitarmos até, que respirar é uma graça que eles fazem o favor de conceder.

dc


    “O grande êxito do capitalismo neoliberal é governar-nos não contra a             vontade, mas graças a ela e através dela, convencendo-nos de que a             situação em que estamos é o resultado das nossas escolhas e decisões”             Nora Merlín

 



domingo, 31 de janeiro de 2021

Vindo do pó


Acreditava que amar era como uma obra de arte, que acontece no meio de diversas experiências falhadas, entre esboços e ideias não concretizadas, na verdade, surgindo dum caldo de muitas vivências e sentimentos, dum cúmulo transformado em inspiração que sobressai em momento não previsto e se disponibiliza para o acontecimento. Do mesmo modo que haverá também quem pense, e acredite, que seja intuído pelo que dentro de nós acontece, quando pensado e imaginado vezes sem conta, sem percepção de que o fazemos, até que ele surja como se um click se desse. Seja qual for a versão, a sua descoberta, ou melhor, o seu acontecimento, traz consigo a capacidade, da tolerância para a repetição dos dias e dos hábitos, para o deixar-se ir livremente ao sabor desse sentimento e da vida de um e de outro, de um para o outro, sem tempo marcado. É um sentimento que não morre pela troca, pela ausência, pelo fim da vivência em comum, quando muito, se afasta da intensidade e muda de forma. Caso contrário teria sido um engano da sua percepção.

 

dc

 

 

 

sábado, 28 de novembro de 2020

Soletrar o vazio e o silêncio


Difícil foi recuperá-lo do coma amoroso e do amorfismo que se lhe seguiu. Tudo demasiado confuso para o seu cérebro, primitivo na consciência do que se passava, na dificuldade de juntar palavras ou compreender os sons das falas que em seu redor aconteciam. Faltava-lhe entendimento e capacidade de dimensionar o seu apego. Os olhos escorriam mares, nos lábios, balbuceios incoerentes repetindo sempre a mesma frase: "Foi insuficiente um amor incondicional, para quem te deixa a soletrar o vazio e o silêncio".

dc



domingo, 11 de outubro de 2020

Em jeito de desabafo

“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”
– Charlie Chaplin, em ‘trecho do discurso proferido’ no final do filme “O grande ditador”.

 

A mulher atravessou a rua, mesmo com máscara na cara, afastou-se para o passeio oposto, aquele em que fazíamos a nossa caminhada, como se tivesse visto o Diabo. E pensei, para os meus botões. - Esta gente funciona a combustível “cagaço”, segue as normas(?), ou acredita que todos estão contaminados menos elas? Resta-me a ironia para pensar e escrever, o que possivelmente para alguns serão disparates, sobre o assunto.

Sim desinfectem as mãos, respirem o vómito da vossa respiração horas a fio nas máscaras, evitem males maiores, o vírus é mortal, assim podem morrer de morte assistida, durando mais alguns meses. É melhor morrer aos bocadinhos de que duma vez só. Vamos, temos de nos defender, o mais que pudermos, do vírus louco e fiquemos loucos, perante o mundo que nos é roubado todos os dias. Ponham máscara tirem máscara, seja como eles querem, seja em casa, na rua, ou junto ao mar, deixem a imunidade de mãos a abanar. Deixem-se contaminar pelos parasitas de menor porte, que atravessam o nosso caminho, dizendo-nos que é por um bem maior. Continuem comendo a comida plástica, que essa é boa para manter a baixa imunidade, deixem os vegetais e os frutos de lado, é melhor tomar uma vacina, ou um fármaco qualquer, dá menos trabalho, do que confeccionar ou comer bons alimentos. Não abracem, não beijem, não se cheguem perto de ninguém, mantenham a distância social, refugiem-se no mundo virtual, é mais fácil para vos darmos a notícias em pacotes. Comuniquem no Skipe, no Whatsapp, no Facebook, fixem-se no ecran do telemóvel ou do computador e lerão as fake news, mais “verdadeiras”, aprenderão imensos jogos que vos poupam de pensar na vida. Informem, informem de tudo para que sejam elaboradas estatísticas, sejam bons informadores, porque sociedade vigiada, é só na China que acontece, aqui é para o bem. Trabalhem em casa, podem manter a distância social, sem máscaras, caso contrário terão de se sujeitar a horários diversificados, que os patrões há tantos anos defendem, e assim evitam que as empresas, nesta fase difícil, tenham de gastar dinheiro na electricidadde, em espaços próprios, em carros que não sejam os necessários para o serviço do patrão, além das despesas extras de internet e outras. Vá lá colaborem sempre vão tendo emprego. Enriqueçam os pobres youtubers, os donos do Facebook, da Amazon, vejam e deixem-se ver na distância de um cabo. Façam amor sem desgaste de peças, nem odores incómodos, ou artefactos não desinfectados. Não é necessário cheirar ou tocar, poupa-se no banho e na lavagem de roupa. Refugiem-se em casa, deixem ir à rua os mais novos, eles fazem da máscara um fétiche da moda. Aceitemos viver como zombies. Até já reforçaram a dose televisiva da série Walking Dead para que possamos aprender a sobreviver, matando os contaminados pelo vírus da desgraça. A cura é criar cada vez mais castelos, com barreiras de acesso, com mísseis e espingardas, para abater os doentes, se não for amassando-lhes a cabeça, que seja, mantendo-os à distância social. Fica-me a dúvida qual das máscaras as pessoas usam ainda?
Abusivamente, ouso utilizar as palavras, desse que foi um dos maiores de todos os tempos, que me permitem rematar estes meu desabafo.


O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.”

Charlie Chaplin, em ‘trecho do discurso proferido’ no final do filme “O grande ditador”.

 

 

dc

 


domingo, 10 de março de 2019

Uma outra violência




A areia incrustou-se na pele reformulando a superfície, como poros sobre poros. Já não importava, ele tomara meu corpo no escaldante areal, do mesmo modo que de seguida me abandonara, frio, violento, como se eu não fosse gente. Cumpria a tradicional brutalidade de tempos idos, em que as mulheres não tinham direitos a não ser o de servir o macho. Estávamos em pleno século XX, mas ele agiu possuindo-me com a força do "direito ancestral”.
Eu caminhava com as pernas tremendo e arrastando os pés no areal. A dor imensa não estava no corpo, mas na alma, tal era vergonha que sentia, por um dia ter aceitado aquele homem para parceiro de uma vida. Não se tratara de um acto de violência doméstica comum, do punho fechado, nem do sangue derramado, mas da posse sem consentimento do meu corpo. Sentia-me suja do seu cheiro, das suas manápulas, dos seus beijos sebentos, da sua força me penetrando.
Sentia-me desfalecer e pensava, naquilo que as pessoas diziam, no dia a dia, “a violência não leva a lugar algum”, então como poderia responder à ignomínia que tinha sofrido, naquela tarde domingueira em que seria suposto conversar para resolver desentendimentos e acabei sendo violada, era assim que eu me sentia. Fora a resposta de força perante o meu desentendimento sobre como víamos a nossa vida em comum, e a resposta ao meu desprazer de o sentir próximo de mim.
Um dia uma amiga dissera-me que o companheiro, quando ela se queixava de dores, lhe dizia “fazemos amor que isso passa”. Teoria de macho vulgar, que não entende que o amor tem sexo e deve ser bom, mas tem de ser partilhado com o mesmo querer e prazer de ambas as partes.
Nem sempre a violência doméstica é de um só sentido, mas o sentido mais comum é aquele a onde a mulher é usada para capricho de gosto alheio. Tu sabes do que falo porque és mulher, ele sabe do que eu falo, porque mesmo atrás das grades, nada seria suficiente para apagar os riscos profundos que me marcam por dentro para todo o sempre. A luta que hoje desenvolvo será sempre efémera, se me ficar pelo pensamento de que nunca voltarei à minha inocência e crença no ser humano, terá de ser antes um registo eterno, que servirá de suporte ao meu esforço, aliado ao de muitos outros homens e mulheres, para trazer a justiça e igualdade de direitos.


dc

Nota:Não foi publicado no Dia da Mulher, pois penso que esse dia, mais do que nunca deve ser de celebração e e conquista de coisas boas e não de coisas tristes.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Na madrugada dos dias




Na madrugada dos dias, surgem as perguntas. Na mão que procura, o vazio das respostas. Já não sinto a tua respiração e o teu sono solto, nas minhas costas. Nem o calor, nem o cheiro, é uma ausência por inteiro. A saudade é dolorosa, e feita de muitos nadas que corporizavam a tua presença. Onde andas? Quantas vezes eu estou dentro do teu pensamento, ou nem sequer existo ainda para ti?
Cuido do cabelo, visto-me a preceito, pinto os meus olhos, retoco os meus lábios de vermelho vivo, como se esperasse encontrar-te, inesperadamente, nunca qualquer sítio, como acreditando que o acaso e a esperança se unam a meu favor. Tudo em vão, como sempre, acabo estagnada olhando o espelho, deixando as lágrimas correrem pelo rosto, transformando-o numa imagem de terror que transparece a minha alma.
Será que o amor terá de ser dor e arrependimento? Se calhar nem é amor, é um apego cínico que mexe os cordelinhos dos meus sentimentos, explora a minha falta de auto-estima, os excessos vários da vida quotidiana, que me criaram a convicção de que a tua presença é imprescindível para me libertar e sentir que estou viva. Esta carência permanente de sentir o afago dos teus dedos na minha face, como se limpasses todas as impurezas daquilo que são as vivências sociais e profissionais. A premência de sentir os teus lábios nos meus, como se me trouxesses à vida, depois do colapso.
As palavras insuficientes para explicar este meu sentir, são as únicas que permitem revelar-me e dizer de algum modo, que gosto de ti e que me apeteces.


dc

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O tempo de amar



Parecia estúpido dizer, que as palavras de amor se afadigam na procura do lugar e tempo certo onde pousar. Havia uma razão para assim pensar. Elas não devem ser desperdiçadas em algo morto, insensível à sua força e ao que delas se depreende. Passaram milénios a  serem usadas e a ter expressão na boca, nos escritos das gentes e na mente de tantos escritores, que lhe davam quase sempre o lugar certo e o momento adequado a serem utilizadas. Não entendia porque se menorizam os tais escribas e superlativam os trejeitos materialistas e tecnológicos, onde as mesmas palavras se tornam mais frias e são distribuídas a granel, quase se perdendo, como anunciando um prematuro defunto. Agora já não se olha o mar e a sua linha do horizonte à procura duma resposta, fica-se pelas imagens, artificiais, plásticas, limitadas, de uma qualquer plataforma digital, imitações distantes, ausentes da dimensão real, dos cheiros, das texturas que não se tocam, onde as palavras vivem como hieróglifos. Quando as pessoas perante a realidade, já não caminham olhando na direcção dessa linha que faz divagar o pensamento, preferindo agarrar horizontes em imagens perdidas de sentimento, fica o amor desaparecido no buraco negro da ignorância. Assim, vai-se desfazendo o conteúdo, a sensibilidade e o amor das vidas a dois, das famílias, entre humanos e os próprios animais. Não falta até, quem escreva, como se de uma evolução se tratasse, dizendo que um dia no futuro próximo, será um mundo de homens e mulheres sós, onde as expressões de amor, faladas ou escritas perdem o significado e força de outrora. O tempo de amar é roubado, para sobreviver numa qualquer profissão que traga o pão à mesa, sustente os Big Brothers e as maleitas de uma sociedade que visa somente o lucro.
Todos sabemos que existem ciclos, mudanças, a que nos vamos adaptando e são inerentes à evolução do ser humano, mas há também quem se afadigue, a que aceitemos tudo, até um retrocesso, como sendo evolução. Também sabemos que nos procuram colocar num contexto diferente, falando da inevitabilidade disso acontecer, como se a evolução dos seres humanos, fosse destinada a matarem-se uns aos outros, naquele fatalismo do “sempre houve ricos e pobres”, ou “sempre houve guerras” e não a de construir algo melhor para si próprios. Ouvimos as pessoas dizendo aos que amam não terem tempo. A pais, filhos, avós, netos, amigos, e por aí fora, assoberbados com as tarefas que a sociedade lhes coloca nas suas diferentes áreas de acção, e eu pergunto-me: Se as pessoas não têm tempo para se dedicarem a viver e aos que amam, o quê e quem amarão elas, e de que vale viver a vida?

dc