quinta-feira, 26 de maio de 2016

NOITE, primeira




Deixei-me levar pela noite, agarrou-me ao seu silêncio, com garras de sombra desenhadas pela lua. Levou-me nesse seu abismo, nesse horizonte que flutua no limbo vaporoso que sai das entranhas da terra, nesse cemitério em que se instalam os dias que se não resolvem. Não anseio o dia, temo que me traga a claridade, com a sua crueza definida da realidade. É a miserabilidade sobressaindo no choro convulso, a incapacidade de dar o passo em frente para um novo percurso, de assumir outros cenários  e diferentes vivências. É um agarrar estúpido, inconfesso, a algo que já não sobrevive à mais simples aragem que o reduziria a pó. Porque temer o amanhã só porque o hoje não foi brilhante, como se desconhecesse que a evolução está no erro e acerto?
O telemóvel tocou, e um arrepio trespassa todo o corpo, os fantasmas surgem arrastados pelas memórias, quais as razões da sua intromissão naquela noite? Que outra realidade teria de enfrentar para além da que temia e o fazia prolongar o silêncio em que se refugiava? Mal desperto do pesadelo recente, ouviu a voz do outro lado que chegava maviosa: Aceita a chamada a pagar no destino? Na dúvida pensando algo urgente e temível disse: Sim claro! E de seguida ao seu alô, entra a voz, pesada, anasalada de uma mulher: “Desculpa, já percebi que não és o Roberto, errei o número mas gostei de te acordar!”
Pior era impossível. Puta noite.

dc




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