domingo, 29 de julho de 2012

PELA MADRUGADA


...a noite não assusta. o silêncio deixa-nos o martelar do sangue nos ouvidos como companhia. a mente trabalha constantemente procurando não se fixar em nada, para que se não repita o cheiro da ausência, para que tudo se vá fluindo. sem carneiros para contar. não deixar que os sonhos surjam acordado, e lhe tirem o descanso. não pensar nas coisas que ficaram por dizer. abafar os restos de memórias que ainda não se apagaram. é urgente lançá-las da ponte imaginária, para o rio sem nome, onde tudo desaparece na foz de coisa nenhuma.

... a madrugada chegou sem que o sono surgisse. talvez a mudança do tempo, o frio, ou a humidade da noite estivesse na sua razão. na verdade a pele molhada de gotas de suor, dizia o contrário. o corpo gelado ressuava com o calor da noite. afinal não era a mudança do tempo, mas a mudança da alma, era o gelo que ficara mumificando para que não transbordassem os sentimentos, para deixar sim, que o relógio do tempo, fosse decorrendo lentamente, para que a cicatrização se fizesse, cuidadosa, para que as marcas se atenuassem, para que as dores da cura se tornassem invisíveis. No futuro só ficaria uma ligeira diferença de tonalidade que se confundiria na vulgaridade dos dias.

... o dia aproxima-se a passos largos entrando pelas frestas das persianas que de forma descuidada não ficaram devidamente cerradas. com ele desaparecem os fantasmas e ocorrem as rotinas de todos os amanheceres. da noite ficou a cama desfeita, a mancha húmida com o desenho do corpo e a almofada outrora preenchida. DC



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