sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Não vou para o lar


Perco-me na leitura, do livro. Digo para mim próprio. Isto é literatura. E leio e releio, sublinho frases, e espanto-me com o que leio. Interrogo-me como é possível, este não velho, falar dos velhos, dos lares de velhos, do pensar, do sentir, do viver dos velhos. Que recolhas fez? Que vivências encontrou, que lhe permitem tal capacidade de transformar em letra de forma tudo isso? Tanta coisa. Que nem eu próprio, que já estou nesse percurso, alguma vez seria capaz de enumerar?

Aprendi. Não sei se aprendi. Na verdade eu sempre pensei que quando chegasse a altura, optaria por ir para um lar de terceira idade. Não dar trabalho, nem ser peso para ninguém. Ao ler-te fiquei ensimesmado e decidi que não quero ir para lá. Só se não tiver espaço, para o amor, ou se meu amor morrer. Não quero ficar envelhecendo no fosso de um lar. Quero sair viajar. Ser indigente, dormindo nos passeios. Morrendo respirando o ar da cidade e das gentes. Não. Não quero o cheiro fétido da velhice que se encrosta nas paredes, nas roupas, nos espaços que nos rodeiam, nesses lares de meia tigela que me sobram. Prefiro comer uma isca, uma sopa rala, no tasco da esquina. E andar nas ruas e nos jardins públicos mesmo que os pássaros me caguem em cima. Não quero, ir para o quarto dos mortos. Não quero estar no meio dos que, morrem todos os dias. Não quero sentir, nem ver, “o tempo diante dos olhos a acabar-se cada dia”.*
Mesmo não querendo ir para um lar de "seniores", como pomposamente nos iludem, sugiro, que eles se construam longe de cemitérios, próximos de jardins, junto ao mar, com extensos areais, ou, em locais onde a natureza nos alimente o prazer de viver. Com direito a visitas guiadas pelo país. Um almoço fora uma vez por mês. E com muitos voluntários para nos lerem livros.

ASSIM seremos nós tratados.

“Sorriem, umas palmadinhas nas costas, devagar que é velhinho, e depois vão-se embora para casa a esquecerem as coisas mais aborrecidas dos dias. Onde ficamos nós, os velhinhos, uma gelatina de carne de amargar como para lá dos prazos”  Valter Hugo Mãe - A máquina de fazer espanhóis*


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