Mergulhava no reflexo que a
água lhe devolvia. Ficava absorto, avaliando o mistério das duas existências.
Uma real, crua, humana quanto baste e uma outra liquefeita, nas nervuras da
água, procurando ser. Uma dependendo da outra, e tão longe daquilo que ambas
significavam. Uma mera representação com as falhas de perfeição, mas mais
verdadeira do que a outra, pretendida limpa e sem defeitos, na verdade, até
mais hipócrita, pois ninguém seria tão perfeito assim. O mistério se mantinha,
perante a dificuldade de entender, quais as leis físicas que produziam aquela
imagem no espelho de água. Não era uma ambição narcisista de ser belo, mas sim,
ver o melhor de si, numa visão total sem ângulos cegos. Tinha de aprender a
aceitar-se nas imperfeições, essas que não trazem a cobrança sobre o seu modo
de ser, nem o olhar adjacente de censura, nem o ónus do medo tão humano de
errar. Perseguir o objectivo de ser perfeito, seria sujeitar-se ao escrutínio e vontade dos
outros, correndo atrás do que não é seu, só para ser amado, seria excessivo, tirava-lhe
a liberdade e autonomia de tomar as suas próprias decisões.
dc