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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Um retrato "à la minuta", cheio de saudade



Só, tombado no chão na hora de ir. Só, cansado e já sem sorrir, mas sereno como se partisse, com o dever cumprido. Só, por fatalidade aconteceu, não como muitos da sua idade macerados pela vida dura que lhes foi imposta e se perderam na solidão.

Foste, irmão, sem que te tivesse dado o último abraço, sem que voltasse a sorrir, com as tuas falas de convicção e afirmações revolucionárias, na defesa intransigente da justiça de uma sociedade para com o seu povo.

Partes deixando esta Pátria que tanto amavas e o seu povo pelo qual sempre guerreavas. Foste sempre vermelho de sangue, de alma, de partido, “Ninguém me muda”, dizias tu para quem quisesse, "não cederias!" A luta dentro da tua Pátria já te dera um 25 de Abril, porque não um futuro onde se não morresse só, mesmo que por mero infortúnio.

A tua infância foi dura, como era naquele tempo em que a viveste. Cedo aprendeste a profissão de fotógrafo, que te acompanhou ao longo da vida e com ela foste fixando nesse suporte visual toda uma história da luta política, e de todas os momentos em que dentro da família estavas presente.

Milhares de fotografias arrumadas e arquivadas contam histórias deste Portugal que sentias novamente amordaçado. Das suas manifes, das suas lutas nos sindicatos, nas ruas, no antes e depois de Abril. Todas elas contando a história de defesa das conquistas democráticas, nas lutas nas empresas, com greves, paralisações e suas duras incertezas.
Tua vida derradeira, teve a luta como bandeira por um mundo mais justo em favor dos mais desfavorecidos. Querias um país com maior igualdade entre o seu povo, no acesso à qualidade de vida, ao ensino, à saúde e à justiça social.
No teu caixão, SÓ podia estar a foice dos ceifeiros e o martelo do operário, sobre o pano vermelho símbolo da luta que servias sem jornas ou salário.

Toda essa tua dedicação, mais extremada, nos últimos anos da tua vida, de participação activa com o teu trabalho sindical e partidário, não impediu fosses arranjando algum espaço para a família e mostrares o teu carinho, aos irmãos, aos sobrinhos, à tua companheira de longa data e a todos os parentes mais chegados, aos companheiros e amigos. Gostavas de participar e conviver, em especial nas nossas festas de família, com a tua gula simpática apreciando todos os sabores, e com tua disponibilidade, para ajudares, nas tarefas que te solicitavam. Convivemos toda uma vida partilhando dificuldades e estórias algumas bem divertidas. Como quando brincávamos com os banhos de água de colónia, que sempre davas na roupa que vestias e que funcionava como tua imagem de marca.

Ficamos presos aos momentos que se ligam pelo fio do passado e que irão restar como presença, nas datas mais significativas, desta revolução de Abril adiada, e nas datas festivas da família onde a tua presença se fazia sentir. Esta foi a última viagem que não te acompanhei, com aquela nossa lengalenga, sobre a política e família, a caminho de Viana Castelo, para mais um Natal, uma Páscoa, ou para o festejo dum qualquer dia.

Deixas a mágoa da partida, como sempre nesta hora difícil de perda, ficamos com a sensação de que não fizemos tudo para vivermos as nossas lutas comuns e os momentos de lazer.

Ainda agora partiste e já a saudade se instalou nas entranhas e restará para todo o sempre como impressão digital na minha vida.

12/OUT2014

DC