Transformado pela novidade dos dias que sempre acontece, vou
navegando na solidão assumida e no conforto daquilo que de outras paragens me
chega.
Quando ouço música, não perco tempo(?) falando, seria um desperdício fazê-lo.
Nem me ouviriam, nem me entenderiam. Por vezes falamos aos peixes, outras vezes
falamos perdidos na esperança, de que as nossas palavras cheguem a ouvidos
atentos, penetrem em cérebros interessados no que é escutado e sejam fonte de
novo discurso futuro. É tão difícil comunicar, quando quem nos escuta não tem
os auriculares da compreensão afinados e nos perdemos falando repetidamente.
Dizem que o ser humano fala demais, se assim fosse o nosso aparelho de
comunicação não seria uma boca, de lábios cheios, mas um bico seco de pássaro. E
se não fossem as falas, o que seria dos escritores, tantos e bons que por aí
proliferam, nem as outras ciências encontrariam caminho no registo da
descoberta.
Seria injusto distrair-me da música para escrever ou falar, seria quase como
cometer o sacrilégio de misturar coca-cola com vinho, estragaria este último
especialmente. Não ouço música lendo, ou falando, perder-me ia no discurso em
ambos os casos o que resultaria péssimo.
A frase “dá-me música que eu gosto”, um dito muito comum para chamar a atenção
daquelas pessoas que gostam de ironizar, ou pretendem gozar, connosco. é uma
ofensa à música e às palavras, mesmo quando por brincadeira. Nem toda a música
é para dançar, e muito menos para “dar música”.
A música entra dentro de mim, agita os circuitos nervosos, enchendo-me
de pensamentos diversos e enriquecedores preparando-me o caminho para o
silêncio interior afastando a carga emocional que o esforço de comunicar nos
obriga.
A música ao contrário de tantas outras artes é de uma abstracção quase total, e
no entanto a sua comunicação é enorme, chegando bem dentro bem fundo na nossa
sensibilidade. Será ela, talvez, a melhor forma de expressão artística, que nos
ajuda a fazer entender outras manifestações de arte abstracta como a pintura,
ou a escultura, aos olhos dos leigos, que espantados ficam observando,
incrédulos, determinadas obras que se lhes deparam.
Ouvir música é uma acto único, ao qual a dispersão da concentração não lhe é
favorável, daí não apreciar concertos, mas audições solitárias. Não faço
questão,
embora tenha algumas
preferências, quanto aos “tipos”, géneros, e, ou estilos de música que existem,
numa classificação tão polemizada, abarcando um leque imenso de gostos e pensamentos
abstractos. Importante, importante é ouvi-la
Ouvir música, é sentir-me projectado para um templo onde não existem deuses, a
existir distrair-me-iam. E eu quero viver a ausência de mundo, galáxia, ou seja
lá o que for.
Quero ficar no éter em que os sons me levam.