Pensava ele. Não ignoro o seu sorriso, seria
impossível, ele é uma brisa que chega para refrescar a canseira dos dias. É
verdade que não o manifesto, que o vivo em segredo. Quando ele surge, na
moldura do seu rosto, fico-me pelo silêncio deliciando-me com a sua leveza, com
as linhas que o desenham na tua boca, com a doçura com que adentra em mim. Dizem,
artistas, os filósofos, os criadores, e muitos outros pensadores, que o amor
não é, só palavras ricas de significado, é a disponibilidade para com o outro
em diferentes circunstâncias da vida, na alegria que traz, no abraço prolongado
que aconchega, na sua cultura, singeleza, beleza da alma, tantas e variadas emoções
e razões. São eles que falam, quase sempre, menosprezando a materialidade do
corpo no surgir de tais sentimentos. Talvez tenham razão. Para mim, tudo bem, é
possível que alguém pense desse modo, mas não estou convencido. Não fosse aquele
seu sorriso, a porta de entrada para o todo que representa, o resto seria insuficiente
para chegar até mim, ele fala de dela, sem pronunciar qualquer palavra, ele é
um dom raro de humana criatura. Aquele seu sorriso, foi o ponto de partida para
a minha atenção, razão do meu entusiasmo de partir à descoberta, de todo o
resto, que dizem, estar mais além do que é físico. Talvez tenham sido esses
pensamentos, que o seu sorriso me desperta, que agora, ao chegar da noite e a chuva
derrubando o silêncio, no seu cantarolar costumeiro, a derramar-se sobre a
terra, me sugeriu que a vida é construída, no meio de estações de tempo e de
experiências. O seu sorriso, chegou como verão inesperado e tem-se mantido. Agora
que foi batizado pela chuva que anuncia, que o outono está à porta, fica-me a
esperança de que se manterá na órbita do meu espaço, na sucessão das estações, evitando
que o meu se definhe, pela sua ausência. É bom saber de dela, seja na noite que
chega, ou no dia que se inicia, com um sorriso que fala além das palavras.
dc