Limpo a janela embaciada e olho o exterior, o mau tempo se avizinha. Ele trás a cara feia da minha alma. O céu escuro desenha os imóveis, a estrada, o carro isolado na descida do viaduto. A aproximação das nuvens carregadas de chuva, afastam as pessoas da rua atirando-as para os espaços fechados das casas. O fim de semana está à porta e as expectativas de o gozar ao ar livre parecem goradas. Do mesmo modo que a expressão do desenho, das tintas e da composição no espaço do quadro parecem temerosas de surgir. Após vários dias em suspenso de uma decisão que levasse à sua conclusão, não conseguia relatar o que sentira e vira. Ele distanciava-se constantemente, daquilo que eu sentia dever expressar. Nascera dividido, entre a abstracção e a figuração e nenhuma delas se impunha, nem o qualificava esteticamente. O parar, a não obrigação de concluir, ou encontrar um objectivo, fez com que lentamente surgisse, como por acaso, a sua resolução final. Chegado a esse ponto, nada mais há para acrescentar. Fecha-se com uma assinatura e deixa-se que os outros o critiquem, efabulem a respeito do que vêm, mesmo que nada do que digam tenha sentido, ou lugar, naquilo que levou o autor a produzi-lo.
As dúvidas de quem pinta, o optimismo no desenrolar do trabalho e as dificuldades, são de tal forma subjectivas, que reduzem o quadro a uma futura interpretação obtida da biografia do autor: Fulano, originário de família pobre, trabalhara em várias profissões para sobreviver, antes de se dedicar à pintura. É um construtivista, modernista, cubista, impressionista, expressionista e toda uma série de correntes que ele próprio autor, nunca quis saber, e tem raiva a quém sabe. E assim ele foi catalogado e já pode ser posto “à venda”.
No meio de tantos artistas e tantos pseudo artistas, vendedores de arte e críticos, o melhor é não nos deixarmos influenciar, estarmos calados e deliciarmo-nos com o que produzirmos.
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