sábado, 3 de setembro de 2011

A partida à flor da pele

Partir: Quebrar-se. Dividir-se. Retirar-se...


Não há palavras para a dor que nos atormenta quando partimos. E há muitas formas de partir, em especial três bem dolorosas: quando viajamos, quando morremos e quando  magoamos, ou somos magoados nos nossos sentimentos, morrendo por dentro.
Para que a dor se atenue, só há um remédio e nem sempre eficaz, o tempo, esse malandro que nos vai envelhecendo e matando aos poucos por dentro, deixando-nos muitas vezes, sem capacidade de reagir.
O tempo vai-nos ajudando a acomodarmos nos interstícios da pele essa dor, disfarçando-a na forma como assumimos a origem da sua existência, transformando-nos em pacientes com dor crónica, mesmo sem sabermos.
Quando alguém que nos é próximo vai de viagem, sabemos que regressa, dói enquanto dura a espera, mas a consciência diz-nos do seu regresso, por isso ficamos como se tivéssemos urticária. Se
morre alguém que nos é querido, ficamos com a consciência da irreversibilidade do que aconteceu e vamo-nos habituando, com se tivéssemos ficado com uma espécie de pequena mancha de pele, resultante de uma queimadura, que com o decorrer do tempo a integramos no nossa morfologia. No entanto quando magoamos, ou somos magoados, mesmo quando na procura de fazer bem, ficamos irreversivelmente marcados e dificilmente conseguimos que os sentimentos que nos invadem desapareçam definitivamente. De tal forma assim é, que decorrem os anos e sempre lembramos tudo, com todos os pormenores, como se tivesse acontecido na véspera. Como aqueles sinais que aparecem na pele que se tiram a raio lazer, mas que fica sempre a sensação de que ainda estão lá. Esta forma de partir, é a mais dolorosa. Em vez de se atenuar com tempo, torna-se cada vez mais presente como se fosse alimentando da nossa mente cansada.
Já se descobriram muitas das razões para a dor crónica do corpo. Agora, tentam os cientistas encontrar o tratamento certo, não para atenuar o seu efeito, mas para resolver definitivamente. No entanto, para as dores enraizadas na mente, mas como diz o povo, no coração, só se for uma lobotomia definitiva, ou um coma induzido para as fazer desaparecer. O coração não dói, dizem, mas é nele que se sente a angústia que faz a mente reagir. Só seres desfavorecidos pela riqueza dos sentimentos, podem ficar indiferentes a tal partir.
Na verdade, temos mesmo que deixar partir, mesmo que restem marcas na memória, e marcas na pele, se não o fizermos, corremos o risco de loucura e não encontrar de novo quem nos nossos sentimentos tenha lugar.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
partir -(latim partio, -ire, dividir em partes, distribuir, repartir)

v. tr.

1. Dividir em partes, separar.2.Quebrar. 3. Repartir; distribuir. 4. Ter origem ou começo; proceder; provir.

5. Confinar. 6. Seguir, prosseguir; prolongar-se, estender-se.

v. intr.

7. Pôr-se a caminho, seguir viagem. 8. Ir-se embora. = RETIRAR-SE 9. Sair com ímpeto. = ARREMESSAR-SE

v. pron.

10. Quebrar-se. 11. Dividir-se. 12. Retirar-se, sair. 13. Fugir, afastar-se.
14. [Figurado] Afligir-se, doer-se.


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