segunda-feira, 12 de março de 2012

A FALTA


Quando a sua irmã morre, ele, psiquiatra de carreira, tenta reencontrar-se consigo próprio, na casa de família junto ao mar. Quando, a ex-mulher, lhe envia uma encomenda, contendo as coisas da irmã, depara-se com uma série de diários, que começa a ler, tentando de algum modo perceber, as razões da sua morte.
Dois pensamentos, duas linguagens diferentes, vão-se desenvolvendo em
paralelo no livro. A dele na  introspecção sobre a sua própria vida pessoal e como médico. e a dela, que até à sua morte, fora a de uma escritora bem sucedida.
A consciência da dor vivida na pele, daquela que partiu para sempre, e a confirmação da sua suspeita de que se suicidara, fazem-no tomar consciência, que se calhar não teria feito tudo para com a aquela que veio a descobrir, afinal ser sua meio irmã. Debruando a "estória" o divórcio dele e um novo amor que vai surgindo, fazem os condimentos do livro magnifico de Paula Izquierdo


Visto-me para matar. Arranjo-me conhecendo todos os truques que podem desmoronar o sentido a um homem; são frágeis, tão estupidamente primários. Todos menos ele disfarço-me para que me deseje e no entanto, ele não olha para mim. É um intruso nos meus dias; não deveria pensar nele, dedicar-lhe as minhas vontades. Nas minhas reuniões intermináveis às quais às vezes vou procuro ser radicalmente magistral, nos meus pensamentos, nas minhas reflexões, mas para ele continuo invisível. Depois, chego a casa caducada, como um jornal do dia anterior. Sem palavras para expressar a notícia de tanta humilhação.
  
(...) Sobretudo, o que me fode é ele não me escolher. Se ele me quisesse como eu o quero, não teria de me vingar, não teria de lhe ser infiel todos os dias.


(...) É certo de que entre as minhas fantasias existe essa ideia de reter o homem, de fazê-lo meu, absorvê-lo para que nunca mais fosse ninguém sem mim. Isto é o que eu desejava realmente fazer.

"Não sei o que se passa com as mulheres; querem sempre uma relação diferente da que têm. Quando conhecem alguém não dizem: Que bom gosto, como gosto da maneira que ele tem de andar, a parcimónia com que actua, como pensa ou faz os ovos mexidos, mas sim como desejaria que ele pintasse quadros abstractos, que gostasse mais da farra, ou que não tivesse tantos medos infantis, os desejos incumpridos de subir na carreira. (...) O que se passa com as mulheres de hoje em dia? Apaixonam-se perdidamente por alguém que não aceitam tal como é. Pedem sempre ao outro algo mais ou diferente, algo que não está dentro das possibilidades dele. Algo que não os liga um ao outro, que não tem que ver com o seu temperamento ou os seus gostos. Porque é que as mulheres querem mudar os homens? Porque é que não se apaixonam pelo que eles são, e não pelo ideal do que poderiam vir a ser? Tudo em que se empenham é mudá-los, fazê-los à imagem e semelhança do que elas querem que sejam ou acreditam que eram. Podem passar a vida a tentar transformar o homem com quem estão para que se pareça com esse outro ideal que foi sendo forjado na mente à conta de imaginá-lo.
"
(...)



Paula Izquierdo


A Falta, Ambar, 2006

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