domingo, 18 de novembro de 2012

ATRÁS DAS CORTINAS

O sol realça as múltiplas ondulações dos cortinados brancos da sala, criando sombras de intensidade variada. A estrutura da janela reflecte-se no cortinado como se tivesse sido desenhada por um bêbado, compondo um quadro com variações de desenho permanentes, de tonalidades, luz e sombras

Um pedaço de pano que amortece a luz do sol com a seu calor e brilho e um mundo de silêncios, de quem de dentro observa, como um outro quadro de desenho único feito de tinta preta que se fixa numa parede invisível.

As rotinas, entre quatro paredes, marcam a mente, como um AVC deixando efeitos residuais inalteráveis quando da passagem por um corpo. São gestos estereotipados que restarão para sempre na pele do individuo, mesmo que um dia o silêncio se vá, mesmo que o dialogo surja, mesmo que o espaço seja cortado pelo ruído de outras vozes, mesmo que um dia por hipótese se divida a pasta de dentes. A glorificação do espaço e do silêncio ali estará presente e tornar-se-á um empecilho ao sorriso, á reformulação do seu modo de estar.

Os dias, mesmo quando o sol está presente, são frios e tristes, amortecidos pela névoa da realidade, cada vez mais dura, num país que não lhe reconhece o contributo para o seu enriquecimento.

Preparado para o trabalho e para as necessidades de um sociedade que o não vê como individuo, ele se vai esfriando e desaparecendo pessoa, para se tornar um robot dos interesses políticos e sociais e vai desaparecendo como individualidade com emoções, relacionamentos, vida.

Tiram-lhe, direitos agravam-lhe os deveres, e esperam que ele se vá escorrendo pelo sofá da dignidade e fique emborcando a brutalidade do isolamento, até que resolva deixar-se ir, num dia, em que o preto da sua alma seja da mesma “não cor” do pó que foi seu corpo.

Acredito que ele os vai chatear, porque como diz o povo “a esperança é a última coisa a morrer”, e como tal não lhes fará a vontade. Ele como muitos acabará por engrossar as fileiras dos descontentes e quebrará o seu mutismo gritando bem alto a sua revolta juntando-se aos milhares de vozes que se recusam a ficar por trás das cortinas esperando que a mudança aconteça.


DC

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