terça-feira, 2 de abril de 2013

CINZENTO POR DENTRO


Caminhei olhando as pedras da calçada, pisando alcatrão, cimentos nos passeios, terra e jardim, sem fazer distinções. Caminhava afastando-me do que me agitava, do que fazia temer e tremer, da angústia, da falta. Olhava e via o piso correr, enquanto me fatigava nesses pensamentos confusos que nos levam a insanidade. Minha mente funcionava como uma pintura abstracta, onde só a cor e a composição faziam sentido, o resto perdia-se no gosto do observador. A chuva caía molhando as lentes dos óculos tornando mais difícil o ver. Temia tropeçar, como tantas vezes tropeçara em outras decisões e caminhadas da vida, e esborrachar-me ali no chão duro, fazendo lesões no corpo, mas ao mesmo tempo sentia que se isso acontecesse a dor seria menor que a indiferença com que somos premiados, e no quanto ela nos fere por dentro. 
O céu cinzento e a chuva, contribuíam para que se enegrecessem vontades e os objectivos traçados se perdessem nas conjecturas, sem que se lhe adivinhasse fim.

A mente por vezes trai-nos com o seu mapa de memórias e sentimentos, trazendo-nos pensamentos soltos e frases, “ não podes querer ter sol na eira e chuva no nabal”, “não se pode ter pau e bola”. Surgem e ligam-se umas com as outras em abstracção, sem procura, como reflexo de algo que escondido em nós não se quer revelar. “Mais importante do que fazermos o que nós gostamos é fazermos as coisas com quem gostamos”. Restos que ficam de um filme, diálogo, pensamento? Nada se esclarece. Nem sequer a razão porque transpus a porta de casa, me coloquei debaixo da chuva e do céu cinzento, caminhando sem norte. Também não era importante saber, ou aduzir razões, se o instinto, ou aquilo a que chamam intuição que me atirou para o espaço exterior. Havia uma necessidade, certamente, de estabelecer um caos interior, para não deixar que as preocupações quotidianas se assumissem.

De quando em vez levanto os olhos, não deixando que a cegueira, se instale, adentrando em mim. Sinto o cansaço que nos outros faz regra em defesa do seu espaço. No egoísmo do eu, como se não houvessem mais eus para além do nosso, e na incapacidade de pensar na troca de uma incerteza pela prazer de viver, nem que seja curta a sua passagem. Há machos que morrem na cópula, porque é essa a sua natureza, mas não o deixam de fazer. “mais vale um gosto na vida que....”

DC

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