terça-feira, 5 de agosto de 2014

Um pé à frente do outro....



.....cautelosamente colocado, superando o desequilíbrio latente, em paralelo com a mente confusa que lhe desperta um sentimento de indiferença.
Nada o preocupa, ou o assusta, fecha-se em si mesmo mais do que é costume. Uma espécie de véu se instala, como se não quisesse saber mais do aquilo que de imediato lhe surge. Abstracta forma é este seu estar e existir, em que a distância entre o que vê, e o que sente, é enorme. Sente-se como que flutuando, na estranha sensação de levitar acima da terra e dos problemas. Nada tem importância, tudo tem importância, os ruídos que chegam, como que filtrados, não afectam esse marasmo em que se encontra, no entanto, são tão nítidos. Será esta a sensação daqueles que bebem em excesso, ou dos que se drogam? Também neles o mundo fica lá longe, distante daquilo que se gera dentro de si próprios?
Sente-se como um índio instalado em sua tenda, fumando cachimbo de olhos fechados e inalando os vapores que se emanam da fogueira. Também ele em transe, que o leva à descodificação da linguagem dos pássaros, dos ruídos da floresta, dos gritos do massacre dos seus antepassados. É um voltar ao passado sem a consciência de como surgiu esse caminho de regresso a longínquas vidas e histórias.
A sua vida é como uma profecia, vai surgindo nos dias, como por acaso, sem que consiga mudar-lhe o rumo.
O esforço de acertar a passada é cada vez maior. Não é só um pé à frente do outro, é aquela lucidez esquisita, que lhe faz ver os pormenores, como se fossem as linhas do desenho que ele próprio traçou. Os rostos que se cruzam pelos seus olhos, parecem fantasmas. Ele vê para além do que os outros vêem, sente-lhes o pulsar, sente-lhes a tristeza e a alegria, o amor e o desamor, a crueldade, a bondade, a indiferença, a descrença, e capta-lhes as almas carregando o fardo das suas vidas, e sente-as coladas à sua.
Não há como fugir, vai continuar deambulando. Só lhe resta esperar pousar os pés sobre a terra, sentindo a vibração do bater do calcanhar no solo e arrastar consigo a sombra que o sol desenha, como se esta lhe apontasse o caminho do renascer.


DC

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