domingo, 12 de abril de 2015

de OLHOS FECHADOS




As janelas batiam com o vento interrompendo o silêncio, certamente era a brisa do surgir do dia.
Ele ficava deitado de olhos fechados, do seu lado, mais próximo da porta, como sempre, O outro lado era o dela. Não se atrevia, a esticar o braço em direcção à janela, com medo de que sentisse o frio da ausência do seu corpo. Enquanto estivesse de olhos fechados ela estaria ali com ele. Os cheiros ainda colados à pele persistiam no olfacto, e calor do seu corpo registado no inconsciente. Não pensava muito, era uma cegueira procurada, como o “cego que não quer ver”.
Tornara-se rotina esta forma de estar, especialmente aos fins de semana, quando era mais difícil suportar, a espera, o silêncio e a solidão.
Inúmeras vezes se levantava, e sempre de olhos fechados, abria a torneia do chuveiro deixando que surgisse a água quente, depois, deixava que a água corresse sobre o corpo, tempos infinitos, não abrindo os olhos, sentindo somente o cheiro característico do seu gel, com que ela banhava o corpo, “Via”, o seu cabelo aloirado preso, os olhos verdes, ainda brilhantes do amor que fizeram, e as suas mãos percorrendo a pele envolvendo-a com a espuma. Muito tempo depois, ao fechar a água, acontecia um maior silêncio, o ar tornava-se gelado, e as pálpebras se recusavam a abrir. Cobria o corpo com a toalha grande, agarrando as pontas e se abraçando como querendo aconchegar-se. Um pouco depois se libertava enxugando lentamente os rios da face, o cabelo curto com vigor, e as pernas agora magras, em massagens quase frenéticas.
Os olhos teimavam em não se abrirem. Entrava novamente no quarto corria a persiana e sentia através das pálpebras um tom avermelhado, sinal de que o sol existia lá fora. Vestia a roupa, na véspera devidamente escolhida, que se encontrava na cadeira, punha água de colónia, e só, quando já preparado, e já fora do quarto, abria os olhos recolhendo os objectos pessoais e a chave do carro, fazendo de conta, que ela o esperava junto à garagem do prédio quando fosse tirar o carro. Assim, ainda desceria as escadas, prolongando o tempo de sentir a sua presença.
Havia um conjunto de elementos, que como um artificio do subconsciente, o ajudavam já quando na rua. A claridade que estourava nos olhos, o sol que lhe falava, as árvores que sorriam com a folhagem virgem da primavera e o mural, com as suas cores e desenhos fortes, na parede do fundo da rua, tudo contribuindo para o fazer ver a realidade e concluir, que afinal ela nunca ali estivera...

dc


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