quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Trace Urban




Sem qualquer roupa no corpo, pronto para o banho, regressou à sala pensando em endireitar as costas e relaxar. Ligou a televisão e começou a ouvir música “Trace Urban”. Tirou o tapete de fazer exercícios, de trás do sofá da sala, deitou-se de costas sobre ele. Não corria qualquer brisa, a música entrava-lhe no corpo e fazia-o mexer de forma contorcida como se procurasse massajar as costas. Colou bem as costas no tapete, enquanto as mãos iam fazendo arabescos no ar ao ritmo da música. Estava a divertir-se não importava se estava nu, ou se era ridículo o que ali fazia, aquele instante trouxe-o a tempos passados, em que adorava dançar, rir-se e fazer rir os outros. Tempo em que amigos e familiares aturavam aquele metralhar de frases e gestos anedóticos rindo-se a bandeiras despregadas. A sua capacidade de dizer as maiores verdades, no meio de sorrisos e piadas amistosas, era enorme, não feria os sentimentos das pessoas nem as ridicularizava. Onde parava esse homem, que lhe acontecera, como tinha deixado que lhe levassem o sorriso, a vontade de conviver e de partilhar?
Não se lembra quanto tempo esteve naquele preparo, de costas coladas ao tapete e de corpo despido de roupagens de qualquer espécie. Levantou-se do chão, e foi-se meter debaixo do chuveiro, deixando a água quente correr sem tempo. Do mesmo modo que no chão, agora queria estar ali deixando a água cair-lhe sobre o corpo encorrilhando-lhe a pele, acrescentando rugas às já existentes, como que esperando que a água arrastasse da superfície todo o lixo que o impregnara dessa tristeza. Sentia a água escorrendo da cabeça para os pés e de seguida para o ralo, o mesmo queria que fosse, com tudo o que dentro de si sentia. Talvez a água o lavasse exaurindo-o, ficando limpo e brilhante, trazendo-lho o humor e confiança de sempre. A vida é para ser vivida.
Fechou a água, o corpo fervia, a pele fazia rugas, Numa espécie de zero pensamento, foi-se enxugando, como quem tira a gordura dos fritos, num papel mata-borrão. A música continuava na sala, não lhe apetecia desligar o televisor, estava estranhamente calmo, alguma coisa tinha ido pelo ralo, ainda não sabia bem o quê, mas que foi foi.


dc











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