sábado, 26 de maio de 2018

Somente o silêncio da última partida




Os minutos corriam lentamente no relógio electrónico da estação. Quando se espera, o tempo parece eternizar-se, os minutos parecem horas. Tinha sido avisado da tua hora de chegada. Temias que, por qualquer razão, fosse impedido de te ir buscar. A cidade não te era de todo estranha, mas tinham passado muitos anos desde que saíras para viver no sul. Nunca falhei. Ia mais cedo por prevenção contra o inesperado. No entanto, em algumas das tuas chegadas, intencionalmente, procurava esconder-me, por uns segundos, atrás de um qualquer pilar, para não me veres da janela da carruagem. Fazia-o numa espécie de prazer, gostava de ver o brilho do teu olhar marcado pela ansiedade e a surpresa. Quantas vezes, na tua chegada, muito a custo me controlava para não te abraçar e rodopiar contigo nos meus braços. Percorríamos a distância até ao carro num ápice, e aí, trocarmos um beijo prolongado, carregado de saudade, antes de decidirmos o que fazer a seguir..
A história repetia-se, em todas as tuas vindas, mas nunca foi rotina, ampliávamos esse tal querer, essa vontade de estar, e viver as horas, esgotando a saudade. Depois, na partida, gerava-se uma espécie de mutismo, entre o querer partir, porque necessário e o meu querer que ficasses. 
Hoje, que já não vens, a tua ausência é dolorosa. Como alguém disse, hoje vou à “estação ver os comboios”, porque não chegarás, trazendo a alegria, a intensidade da permanência. Somente permanece o silêncio da última partida.


dc

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