domingo, 12 de julho de 2020

A casa da ria



Construí-lhe os alicerces modelando-a a meu gosto, com a transparência das vidraças e aço na sua estrutura, dando a leveza necessária. Ficava junto da margem, mas plena sobre a cor turquesa das águas do rio de onde surgia. Era o lugar dos sonhos, onde construir futuros tinha a dinâmica de dois, na partilha comum das preferências. Ali onde os segredos não existiam e o único ruído, que queríamos ouvir, era o das nossas vozes dialogando urgências e o deslizar das águas. Não era uma casa de bonecas, era a casa dos sonhos, umas vezes varrida pela luz intensa que vinha com o sol do dia e o seu reflexo e, nas noites, com o luar desenhando a nudez dos corpos, no amplo quarto, com vista única do espelho de água e o horizonte infinito. Outras vezes a neblina como algodão-doce nos fazia levitar, deslizando sobre a superfície das águas rumo ao desconhecido. Mesmo quando a chuva ocorria, era como se nos banhássemos sem molhar o corpo, adoçando os beijos. Foi ali o primeiro momento de nos conheceremos, absorvendo a totalidade do espaço envolvente, nos conhecendo e reconhecendo, como se juntos toda a vida. Ainda hoje resiste entre o amontoado de quadros pintados, aquele, executado com a emoção do amor, em que se via ela pousando a sua cabeça sobre o seu ombro e o envolvia num abraço sem fim. Afinal um registo eternizado, dum sonho realizado, que os ligava naquela casa como se fossem o último pilar que, imprescindível, a sustinha sobre as águas.


dc



Sem comentários:

Enviar um comentário