sábado, 18 de julho de 2020

Amor de Verão


Passava os dedos sobre a superfície das coxas generosas e suaves que delimitavam o começo do ventre e o abdómen que sem ser magro era liso e sem saliências inconvenientes dos descuidos estéticos, as marcas naturais da idade. Sua pernas eram duas colunas poderosas que suportavam o resto do seu corpo harmonizando todo o conjunto que fazia a sua bela figura de mulher. Sabia que ela não era só um corpo, por isso o encantavam os seus raciocínios lógicos, a sua cultura, a personalidade forte e a sua ternura, quando em conversa. Quantas vezes ele deitado de bruços sobre a cama, enquanto falava com voz baixa e pouco clara pelo sono e por não querer dizer demais, ela o escutava com um braço atravessado sobre as suas costas, enquanto da sua boca, saíam uns ligeiros murmúrios, intercalados por beijos roçados sobre a sua pele do ombro. Quase sempre resultava no descaminho voraz que interrompia a pacatez das falas.
Ela era a deliciosa surpresa, que surgira para interromper a sua solidão e vazio amoroso dos últimos anos da sua vida, enriquecendo-o com o seu amor fresco, sem a identificação dos anos pelo bilhete de identidade. Ele não era possuidor de grandes rendimentos, ela vivia do seu salário pouco generoso. A diferença de idades era algo acentuada, mas nada que os preocupasse, sabiam que o presente que viviam era doce e suficientemente forte, para que se pudesse dizer um dia com o destino traçado, “valeu a pena”.
Ele tantas vezes percorreu com um só dedo o contorno do seu corpo como se fizesse um desenho a lápis, que iniciava nos dedos de um dos pés e se prolongava por todo o seu corpo até ao outro lado, terminando da mesma forma, ao mesmo tempo que a sua boca acompanhava todo o seu percurso. Era uma espécie de tactear cego, como se quisesse fixar dentro de si a sua morfologia corporal. Ela, enquanto isso, ia falando em voz baixa, meio rouca que o enlouquecia. Tinha sempre estórias para contar, factos para relatar, desejos para realizar e ternura sem fim no seu expressar. Não havia momento escolhido para se descobrirem, qualquer lugar, ou momento, construía um beijo, um desejo e uma osmose de corpos e peles que se confundiam adentrado-se, com toda a alegria de um sonho que a cada etapa se realizava. Assim foi todo aquele Verão, como no Inverno que se seguiu e todas as estações, surgidas no correr dos anos.

Hoje estava novamente só. Contrariando a ordem natural das coisas, a morte antecipara a sua partida. No entanto, não era uma solidão incómoda, mas procurada. Sentia a sua ausência de facto e por vezes de forma dolorosa. Eles tinham-se dado tanto, um para o outro, um com o outro, que não faltavam memórias que preenchessem as lacunas, além dos afazeres diários sociais e de sobrevivência e as pausas para ler, ou escrever. No aproximar da noite, em especial, sempre se lembrava, de que mais vale amar por algum tempo alguém, mesmo que o sofrimento possa acontecer, do que nunca ter amado, com o mesmo prazer e alegria que com ela viveu. Tinham-lhe dito que os amores de Verão morrem com a Primavera, o seu, dela, tinha percorrido muitas estações do ano sem esmorecer até à sua partida. O vento leste traiu-me, trouxe o calor ao corpo e arrastou-me para esta saudade e desassossego para o qual as palavras não chegam.


dc

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