terça-feira, 23 de novembro de 2021

Vontade de viver o dia

 

As palavras eram insuficientes, para descreverem aquela iluminação solar que verrumava o céu de tons alaranjados, ou o contraste, das sombras que dominavam o chão de folhas caídas e os carros estacionados na orla dos passeios. Completando o cenário a gaivota estática se desenhava em contraluz, pousada num dos candeeiros, sensoriando no horizonte, o mar bravio donde fugira, por ausência de peixe gordo que a fizesse mergulhar. Ali, no topo do seu mundo, ela esperançava o lixo, que o contentor pudesse transbordar, buscando apaziguar a fome, concorrendo com os sem-abrigo, que brevemente sairiam dos colchões cartonados, instalados na soleira duma porta qualquer. Entretanto, ouve-se algures, o badalar das sete horas da manhã. O sono que ainda trazia no corpo, se esvaecia agora nas tonalidades, que lhe traziam espanto e arrimo, quebrando a rotina. Era o começo de um dia de outono sem temores de vento agreste, da chuva e gelo. Os olhos perdiam o horizonte, agarravam-se ao colorido que observavam e transportavam para dentro de si calor, alegria e vontade de viver o dia. Assim pensou: vale a pena aqui estar, neste soalho alcatroado, porque a dureza das coisas da vida, não retira a vivência das belezas do mundo.

dc


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