terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Silêncio cativo




Gosto de fotografar os meus silêncios, com o olhar de dentro. Nesse ficar na memória, dos galhos secos das árvores apontando o céu, nas poças da água que a chuva deixou, nas vozes, que não a minha, pressinto pelo mexer dos lábios. A respiração de mim que sinto, como um peixe dentro de água abrindo e fechando a boca, as pulsações do bater do coração, as passadas largas da caminhada, as marchas militares nos ouvidos, que parecem existir somente quando o silêncio é profundo, e só na nossa imaginação, vivem. Esse o silêncio, enorme dentro de mim, que não tem explicação, porque nele vivem palavras frases e vozes que não se ouvem, imagens fotografadas pelos olhos que não têm cartão digital, ou suporte de película, somente retidas algures num arquivo cerebral, a que nem sempre encontro capacidade de chegar lá.
Parei frente ao espelho, olhando nos olhos tentando encontrar, a reprodução do silêncio que tinha cativo dentro de mim e não reconheci, nem o rosto nem os olhos, nem percebi porque estava tão vazios, se eu, neste meu silêncio, os analisava. Enquanto isso um arrepio de frio quase mortal me percorria. Tentei gritar, mas a voz não saia, nem o corpo se movia, estava como congelado entre o mundo em volta e o que o espelho
reflectia. Sabem agora do que falo, quando digo não saber dimensionar o significado de tudo isto. Sei somente que neste silêncio, do qual não tenho dimensão do tempo e espaço que alcança, fico desgastado, despreocupado e quando algo exterior a mim, me tira de lá, é como se acordasse de repente, sem saber onde estou e o que fazia. Depois, instala-se um cansaço sedutor, que me leva aos confins do nada, onde a voz do silêncio não existe. Aí talvez seja o único momento em que descanso, sem saber se para sempre, ou por instantes, ou ainda se é o meu silêncio que “fala”

dc

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Há pessoas e pessoas



Há pessoas que não abraçam porque têm medo de se darem;
Há pessoas que temem os sentimentos profundos, preferem o bolor da superficialidade;
Há pessoas que se revelam na distância e apagam-se na proximidade;
Há pessoas que exibem o que não são, para seduzir quem não repara nelas;
Há pessoas que navegam em círculo, por que decidir tem custos;
Há pessoas que fogem da solidão, prendendo-se na solidão da gaiola informática;
Há pessoas que existem no fugaz momento do “big brother” das suas vidas;
Há pessoas que se agarram aos bens materiais e se perdem dos valores humanos;
Há pessoas que confessam os pecados, antes que algum deles aconteça;
Há pessoas que vivem de likes, de coraçõezinhos, sorrisos estereotipados da vida que revelam;
Há pessoas que virtualmente a dor de não serem a carne gostada, vivida, amada;
Há pessoas que nos desiludem, têm defeitos, porque são humanas e nós não queríamos;
Há pessoas que escrevem sobre estas merdas todas, com a consciência do tempo perdido.


dc




sábado, 15 de dezembro de 2018

Estou vivo!




Esperando, na espera de todos os dias, que um corpo leve se lhe pouse e com alegria voe no espaço soltando gargalhadas sonoras.

Olho, a figura recortada contra o céu e o rio, lançando o desafio atrevido a quem passa, de ali se sentar e baloiçar, a usufruir da brisa e sentir o prazer, que à pele traz um arrepio.

Todos os sonhos regressam, todas as memórias saltam para o presente. Apetece correr para ser o primeiro a sentar-se e começar a viagem, naquele esticar e encolher de pernas, que quebram a inércia, enquanto as mãos firmes se assenhoram das correntes na segurança do voo.

Um dia, criança de rosto trigueiro, agora com a pele enrugada, o mesmo desejo da garotada, um voo pleno entre os gritos das gaivotas, sentindo leveza no corpo e uma vontade enorme de gritar: Estou vivo!

dc

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Engrenagem



Cada dia é um dente
Correndo o risco de partir
Nada dura para sempre
Não vale a pena carpir 

Se não cuidarmos de nós
Mesmo existindo em par
Um dia acabamos sós
Incapazes de recomeçar

Não importa muito sonhar
Se pararmos no tempo
A intempérie faz enferrujar
E impede o desenvolvimento

O amor só é completo
Com dois no mesmo querer
O contrário é um deserto
Num vazio que faz doer

Falso sentimento de liberdade
Esse fechar de portas ao coração
Definhamos no vazio e saudade
Das memórias em solidão

Acabamos presos nas engrenagens
Neste enrolar da roda da vida
Noite e dias de dolorosas viagens
Sem ter a missão cumprida


dc