quarta-feira, 30 de maio de 2012

SEDUÇÃO

Passava eu numa rua movimentada da cidade, quando de repente a vi.

Era linda. Uma cor de pele deliciosa, um perfume inebriante, com umas ligeiras rugas na pele, mas ainda na flor da idade. Foi amor à primeira vista, e não descansei enquanto, não a obtive. Ela era a criação de Deus, o fruto mais apetecido de Eva no paraíso.

Abreviei, tudo o que tinha para fazer com uma vontade enorme de ficarmos a dois. A rua não era lugar para desfrutar tal beleza. Quando, já em casa, e cada um a seu modo se acomodou, fiquei a observá-la tempos infinitos, antes de me decidir pousar os meus lábios naquele pedaço saboroso da natureza. Mentalmente fazia as minhas conjecturas, tentando encontrar o momento certo. “ Será melhor antes de, ou depois de? Será que o cheiro se perde debaixo do toque dos meus lábios, da minha boca por inteiro? Como será depois de ela partir? Nada será como dantes? É difícil encontrar beleza de tal dimensão. Regressei à realidade e olhei a sua pele, ligeiramente matizada junto ao pescoço, e para as suas curvas arredondas e bem delineadas. Definitivamente merecia um espaço próprio no tempo. Iríamos ambos para o alpendre, observar o espelho de água em que se transformara a ria. Pelo que já deduzira, ela iria continuar a provocar-me e a seduzir-me no seu silêncio. E eu, cada vez mais procuraria eternizar o momento. Esperaria se possível até ao pôr do sol. Quando este se partisse na linha do horizonte, entre o céu e as águas calmas, aí, então sim, naquele momento iria pôr cobro a tal tormento.

E assim foi, após uma refeição ligeira e bem agradável, decidi-me.
Comecei lentamente, com a ânsia e o frio aço com que a natureza, de longos anos de sabedoria, nos dotou, a tirar-lhe, bocadinho a bocadinho a sua roupagem. Fazia-o com lentidão, prolongando cada momento. De repente a surpresa. A lentidão inicial, de desfrute foi-se tornando cada vez mais ansiosa, tal era o que ia encontrando. Afinal debaixo de toda aquela beleza e roupagem, a sua pele estava macerada, de manchas, cada vez maiores e mais fundas. Eu bem procurava encontrar, no lugar mais profundo do seu ser, um bocadinho que fosse, que tivesse resistido, e permitisse manter a chama acesa. Na esperança de que no seu seio pudesse lançar a semente de um futuro de algo mais maravilhoso e profundo. Fui perdendo a alegria e o prazer ia-se. Procurei ir mais fundo num diálogo de surdos. Daqueles em que só um fala e pensa. Onde se procuram respostas, e não são dão dadas. A vida pregara-me uma partida.

Mais tarde, procurando refazer-me, psicologicamente do que se passara, consultei especialistas vários em busca de explicação. Todos foram unânimes. Ela era fruto de uma amor desavindo. Tinha sido, maltratada logo no ventre de sua mãe. A mãe também ela, já tinha sido maltratada, pelos seus ancestrais. E quem tinha lançado a semente à terra, teria sido um aventureiro, que aproveitando os tempos modernos, fizera daquela “terra” um tempo de passagem para herdar benefícios, sem olhar a meios.

Nos seus curtos anos de vida, ela não tinha tido, aquilo a que nós chamamos “berço”.

Quando eu a vi pela primeira vez, o seu brilho intenso tinha-me seduzido de tal ordem, que me tornou vitima fácil de um padrasto ganancioso, que procurava obter um bom lucro da relação temporária, em que ela era um apêndice.


Desde esse dia, sempre que passo por aquela rua, atravesso para o ouro lado. Afinal eu não sei escolher maçãs, e detesto aquela frutaria.



DOM 01JUN08 11,15

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