segunda-feira, 8 de outubro de 2012

NÃO SE PODE PERDER O SORRISO

A chuva cai leve, de mansinho. Hoje, segunda-feira 8 de Outubro de 2012, é uma data como outra qualquer no calendário da vida de um indigente como eu, a única diferença em relação aos outros dias, é que hoje estou mais velho um dia, mais cansado do que ontem, física e espiritualmente.

Cada dia que passa tentam a apagar-me o sorriso, no entanto não conseguem, todos os dias os surpreendo afivelando-o ao rosto. Pelo menos esse sorriso vai mantendo os músculos do rosto activos, deixando os meus opositores e observadores, defraudados por não me conseguirem aborrecer.

Não se pode perder o sorriso, não é saudável nem ajuda a nossa auto-estima. O sorriso comunica ao nosso próprio corpo e mente uma sensação positiva, que nos fortalece, e nos ajuda a levar de vencida uma grande parte dos obstáculos que se nos deparam.

Por tudo isto e mais aquilo, e tudo o mais que não me lembro, quando me olhei no espelho dei uma gargalhada forte, forçada, e deixei-me ir de tal modo, que pouco depois ria a bom rir sem saber porquê, foi óptimo. Quando saí do WC público, já tinha montado todos os músculos da face e um sorriso pronto para enfrentar o mundo.

Quando me acusam de sujo e mal vestido, afivelo o meu sorriso e penso para os meus botões: quanto de sujo terás tu nessa tua cabecinha, com esse teu ar todo lavadinho engravatado e cheio de maneirismos?. Tenho o corpo sujo e uma alma limpa. Não tenho casa porque ma roubaram os bancos. Não tenho lugar para me lavar, nem muita roupa asseada para trocar, é pena, nada posso fazer, nem sei onde existem os banhos públicos. Perdi a necessidade ter quando tudo me foi tirado, não sabem o quanto beneficiei com isso, voltei a ser livre, nada me prende nem local nem mentalmente. Perdi o medo, nada tenho a perder, refugio-me na dignidade que ainda tenho. Quando me olham com pena, como se fosse uma desgraçado perdido nos maus caminhos da vida, eu sorrio, ainda tenho a minha liberdade, não tenho peias sociais e materiais que me prendam, nem o olhar de “carneiro mal morto” que outros têm, porque esmagados nos seus direitos como pessoas.

Indigente não foi uma opção, foi uma necessidade que se tornou uma opção em nome da minha liberdade. O meu colchão é de cartão, meu telhado um vão de escada, o meu candeeiro é a vela antiquada e meu aconchego a gata malhada que ronrona do cair da noite ao nascer da alvorada.

Sem comentários:

Enviar um comentário