quarta-feira, 10 de abril de 2013

NÃO, NÃO VOU POR AÍ !


Deixou-se silenciar pelas preocupações, muitas horas foi pensando entre portas, na sua caixinha onde se guardam todos os segredos, e todo o fraseado da vida. Os pés mesmo que arrastados, trazem consigo as pernas e fazem deslocar o corpo, o restante acompanha, só o que está dentro da caixinha, bem no topo está longe, com as suas dúvidas, realidades que o assaltam, sentimentos que vagueiam. no meio de tudo isso, a permanente interrogação sobre a existência do ser humano. .. nascemos para não ter alegria, ou a alegria é que deve gerir o nosso viver...

Olhar sem ver, caminhar sem saber, fugir de quê? ...ontem o sr. Joaquim cortava as árvores, aparava a relva na sua rotina costumeira, como se os braços estivessem longe daquele seu olhar parado...a esposa doente? Os filhos?...Aquela a cheiinha que passeia o cão pintalgado está grávida novamente, parece ter o dobro do tamanho deve ser porque passam mais tempo na cama....o inverno frio e chuvoso provoca estes acontecimentos.... ah, aquele sujeito continua a visitar os caixotes do lixo procurando não sei o quê...tem um ar bastante humilde, mas asseado, que razão o leva a escarafunchar o lixo...estou quase a chegar a casa... mais uma vez lá terei que preparar o almoço com os bocados que sobram, beber um copo de vinho e...voltara a pensar, nas patetices do costume...aquele gajo constitucionalista na televisão, é mesmo estúpido, e ninguém lhe pergunta se também quer dividir o seu salário para dar emprego a alguém... será que só os pensionistas é que devem ser roubados no final da sua vida quando nem hipóteses têm de trabalho e de descanso... não são do FMI são da PQP, porque nunca viveram com salários em atraso, com trabalho precário...que merda de razão se estabelece na sociedade que um gestor ganhe um milhão de euros por ano e um trabalhador deve fazer o sacrifício de viver com cerca de cinco mil euros...quem foi a besta que pensou que uns são melhores que outros assim tão diferentemente...

A caixinha tem uns milhares de neurónios que não param de funcionar enquanto o corpo se desloca, o futuro é já ali, não tarda, num qualquer cemitério, e ao olhar para trás verifica, que muito deste muito fica por ver, viver e sentir. Tem um país que conhece por fotografias, e pouco sabe do seu povo, um mundo de cultura que só lhe conhece as aparas, uma vida onde na infância roubada aprendeu de depressa a palavra trabalho, uma saúde precária no meio do egoísmo dos homens. Há uns quantos que continuam a acumular ouros e bugigangas perdidos da vida e que se automatizam na alegria de destruir o que seria a realidade de outros se não fossem por si escravizados.

..vou continuar pensando, não tenho pressa de sentir o caminho das pernas, nem para onde me levam... lembro o cântico Negro de José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?



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